Economia
Taxação dos EUA pressiona agro e aumenta risco inflacionário global
Trump impõe tarifas de 30% contra México e União Europeia; veja quais produtos do agronegócio serão afetados por essa medida

Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
14/07/2025 - 15:26

Dias após informar que vai taxar as importações brasileiras em 50%, o presidente dos Estados Unidos intensificou a guerra tarifária global. Em rede social, Trump disse que irá impor, também a partir de 1º de agosto, uma tarifa de 30% sobre as importações do México e da União Europeia.
Assim como no caso do Brasil, a medida foi anunciada em cartas enviadas separadamente para a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, e para a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen. Nos documentos, Trump afirma que todas as importações estão sujeitas à tarifa de 30%, excluindo ‘tarifas setoriais’, como a tarifa de 25% para automóveis.
Conforme dados do Departamento de Agricultura norte-americano, no ano passado, os Estados Unidos exportaram aproximadamente US$ 30,32 bilhões em produtos agrícolas para o México — um aumento de 7% em relação ao ano anterior. Esse valor coloca o México como o maior mercado para as exportações agrícolas dos EUA, ultrapassando a China e o Canadá.
Na lista dos principais produtos enviados pelos EUA ao mercado mexicano estão:
Produto | Valor (US$ bilhões) | Quantidade (toneladas) |
Milho | 5,62 | 25,25 milhões (40% das exportações totais de milho dos EUA) |
Carne suína | 2,58 | 1,15 milhão |
Laticínios | 2,47 | 757 mil |
Soja | 2,30 | 4,98 milhões |
Carne de frango | 1,47 | 906 mil |
Na contramão comercial, o México também é um importante fornecedor para os EUA, tendo exportado cerca de US$ 47,2 bilhões em produtos agrícolas aos norte-americanos em 2024 — um aumento de 5% em relação ao ano anterior.
No entanto, ao contrário do comércio agrícola dos EUA, que apresenta diversificação de produtos, no caso das exportações agrícolas do México com destino aos EUA há um destaque para o setor de hortifrutigranjeiros:
- Tomate: US$ 630 milhões
- Abacates: US$ 594 milhões
- Morangos e framboesas: US$ 531 milhões
- Pimentões: US$ 427 milhões
- Cerveja: US$ 1,06 bilhão
Já em relação ao comércio entre EUA e União Europeia, dados da plataforma EuroStat mostram que, no ano passado, as exportações do bloco econômico para os EUA somaram aproximadamente € 30,1 bilhões. Isso representa cerca de 12,8% do total das exportações agrícolas da UE e um crescimento de 12% em relação a 2023.
Olhando para os principais produtos exportados da UE para os EUA, destacaram-se:
- Vinho e derivados: €4,7 bilhões (17%)
- Produtos à base de cereais e farinhas: €2,7 bilhões (10%)
- Bebidas alcoólicas e destilados: €2,8 bilhões (10%)
- Azeite de oliva e azeitonas: €2,4 bilhões (9%)
- Laticínios: €1,9 bilhões (7%)
Por outro lado, os EUA exportaram US$ 12,8 bilhões em produtos agrícolas para a União Europeia. Com isso, o bloco foi o quarto maior mercado para as exportações agrícolas americanas no ano passado.
Principais produtos exportados dos EUA para a UE:
- Nozes: US$ 2,72 bilhões
- Soja: US$ 2,43 bilhões
- Destilados: US$ 1,23 bilhão
- Óleos essenciais: US$ 526 milhões
- Etanol: US$ 428 milhões
Para o professor e pesquisador do Insper Agro Global, Leandro Gilio, esse novo movimento dos EUA eleva a tensão no comércio mundial e pode pressionar ainda mais os mercados agrícolas. “A tendência protecionista, como temos visto agora, traz impactos diretos nos custos de produção e na dinâmica das cadeias globais. Qualquer elevação de custo, principalmente em commodities agrícolas, acaba sendo repassada ao preço final, o que gera uma pressão inflacionária global sobre alimentos”, explica.
Gilio também ressalta que a taxação imposta especificamente ao Brasil — de 50%, a maior anunciada até agora — afeta setores chave como suco de laranja, carne e café. “Além do impacto imediato nessas exportações, há um risco de efeitos secundários, como alta do dólar e encarecimento de insumos importados, o que pode pressionar ainda mais os custos de produção agrícola no Brasil”, afirma.
Acordo Mercosul-UE
Além disso, segundo o especialista, o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, em fase de ratificação, pode ganhar impulso diante das tarifas norte-americanas. Gilio explica que, a tendência é que a UE busque protagonismo e avance em acordos para reduzir sua dependência comercial dos EUA.
“As críticas contra o acordo eram muito mais um movimento protecionista do que justamente muito fundamentadas numa base relacionada a questões práticas […]. Eu acho que agora com essa influência do Trump, essa imposição de tarifas e esse acirramento global, há uma tendência da União Europeia de tentar fechar outros acordos para diminuir um pouco essa dependência dos Estados Unidos”, afirma.
Agro brasileiro segue em alerta
As novas tarifas anunciadas pelos EUA sobre produtos agrícolas brasileiros mantêm o setor agropecuário em alerta. Com alíquotas que chegaram a 50% — bem acima das aplicadas a outros países, como México e União Europeia —, o Brasil passa a enfrentar um ambiente de incertezas no comércio exterior. “O Brasil acabou liderando esse movimento de sobretaxação. Essa tarifa atinge alguns dos nossos principais produtos e pode inviabilizar operações com o mercado norte-americano”, afirma Leandro Gilio, professor e pesquisador do Insper Agro Global.
Conforme noticiado pelo Agro Estadão, o anúncio das tarifas de 50% já causaram o cancelamento de contratos de 500 toneladas de peixes do Brasil aos EUA.
Outro setor que deve ser impactado é o de cacau. Segundo a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), entre 2020 e 2024, as exportações de derivados de cacau para os EUA representaram, em média, 18% do total brasileiro, atingindo US$ 72,7 milhões em 2024. Este fluxo comercial demonstrou um crescimento ainda mais expressivo no primeiro semestre de 2025, com exportações já totalizando US$ 64,8 milhões.
Segundo a entidade, a nova tarifa chega em um momento delicado para o setor, que ainda se recupera de uma série de quebras de safras e enfrenta altos preços internacionais e restrições na oferta interna de amêndoas. Os riscos, de acordo com a AIPC, não são apenas comerciais. A tarifa imposta pelos EUA pode desestabilizar o regime de Drawback, que isenta tributos sobre insumos importados destinados à exportação. “O descumprimento de contratos devido à inviabilidade econômica poderá resultar em multas e exigência de tributos, além de provocar insegurança jurídica para os exportadores”, pontua, em nota.
Risco inflacionário
O ambiente de tensão comercial gera outro efeito: a possibilidade de aumento global dos preços de alimentos. O especialista do Insper Agro Global, esclarece que, em um cenário de margens apertadas, o setor agrícola repassará qualquer elevação de custo para o consumidor. “Tarifas e medidas protecionistas pressionam cadeias globais e aumentam o risco inflacionário”, destaca.
Segundo ele, ainda que o Brasil cogite algum tipo de retaliação, o espaço para isso é limitado, uma vez que o país não tem o mesmo peso comercial dos EUA ou da China. Nesse contexto, ele acredita que o país tenderá a buscar o diálogo e trabalhar diplomaticamente para minimizar impactos. “Entrar em uma espiral de retaliações, como aconteceu entre China e Estados Unidos, não interessa ao Brasil. Temos setores importantes, como o de café, que podem ser afetados pontualmente, mas nosso poder de barganha é menor. O caminho é a negociação”, ressalta.

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