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Economia

Tarifa de Trump provoca cancelamento de contratos de 500 toneladas de peixe aos EUA

Taxação deve desestimular a produção interna e afetar oferta de pescado na próxima Quaresma

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Daumildo Júnior | Brasília | daumildo.junior@estadao.com | Atualizada às 15h43

11/07/2025 - 13:20

Foto: Adobe Stock
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A imposição da tarifa dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros importados já trouxe impacto nos embarques de pescado. A Associação Brasileira das Indústrias de Pescado (Abipesca) aponta que, desde quarta-feira, 09, cerca de 500 toneladas já deixaram de ser enviadas ao país norte-americano por conta de cancelamentos de contratos. 

O diretor-executivo da Abipesca, Jairo Gund, aponta que o “cenário é catastrófico” para as exportações brasileiras de pescado. Segundo ele, o que deve acontecer é um efeito dominó em toda a cadeia. O primeiro impacto é um cancelamento “geral” dos contratos, o que já vem acontecendo. Compradores americanos e também vendedores brasileiros estão rompendo as negociações já firmadas. 

Do lado americano, a preocupação é em saber detalhes operacionais dessa tarifa, como por exemplo, se a taxa de 50% será aplicada no momento em que o produto partir do Brasil ou se será no desembarque. “Considerando que tem de 25 a 40 dias para o desembaraço aduaneiro da mercadoria, o risco de chegar lá e encontrar essa taxa de 50% é muito alto, tornando o produto impraticável no mercado lá”, explicou Gund ao Agro Estadão.

Da parte dos exportadores brasileiros, o temor é enviar o produto e ter que arcar com custos de retorno depois. Por isso, os vendedores preferem nem embarcar, para evitar mais danos econômicos com a carga. Segundo o diretor, o custo de logística varia de acordo com o porto de saída, mas um container embarcado pode sair por R$ 12 mil a R$ 18 mil. 

Na sequência da cascata de efeito, os produtores da piscicultura e os pescadores devem sofrer o impacto. Gund cita o caso de pargo e lagosta, que são produtos da pesca artesanal que representam 98% do volume destinado à exportação. “Você imagina que para a pesca de lagosta são 3.800 embarcações que operam essa pescaria. Cada embarcação, porque é uma pesca bem artesanal, trabalham duas, três pessoas nas jangadas”.

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Para a piscicultura, a inviabilização da tilápia brasileira representa um mercado de 10,4 mil toneladas aos americanos no ano passado. Isso é mais de 30% de tudo o que foi exportado em volume de pescado para os Estados Unidos (30,2 mil toneladas), segundo dados do Agrostat do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Com menos tilápia, o efeito final será sentido pelo consumidor brasileiro. 

A Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR) também aponta que a situação não é boa e com impacto para o produtor quase imediato. “A tilapia é o pescado mais exportado aos Estados Unidos em volume e os americanos são o nosso principal cliente, praticamente 90% de tudo que a gente vende para fora”, pontuou à reportagem o presidente da Peixe BR, Francisco Medeiros.

Quaresma em risco

Caso se concretize, a partir de 1º de agosto, a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros comprados pelos Estados Unidos, o mercado interno pode sofrer com a disponibilidade de peixes na Quaresma de 2026. 

“O peixe que estou exportando hoje foi alojado há oito meses atrás. Então se você tem uma interrupção brusca, como está acontecendo, você imagina o impacto que nós ainda teremos para os próximos oito meses do que está na água. Fora o desestímulo a você colocar o peixe na água para engorda, que o ponto auge é agora, agosto e setembro, preparando para a própria quaresma”, analisou Gund. 

Gund enxerga que há um risco de desabastecimento de peixe na Quaresma, especialmente, da tilápia. Muito motivado por um desestímulo dos produtores, que já vinham olhando o próximo ano com temor devido a abertura do mercado brasileira para a tilápia do Vietnã. Com a tarifa americana, a válvula de escape das exportações fica fechada, já que as vendas para os Estados Unidos são praticamente inviabilizadas.

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“No caso da tilápia, o impacto que eu vejo é desabastecimento. E tem estímulo com a entrada agora da tilápia do vietnamita. Porque se torna impraticável, o custo não se torna viável e desestimula o produtor a colocar o alevino na água. Então, o que vai acontecer? Vai ter uma redução de produção para a próxima quaresma. Logo, eu tenho uma inflação direta para a escalabilidade.Vou ter, na verdade, um círculo vicioso, onde eu desestímulo a produção nacional e estímulo à importação. Então, o desdobramento, caso isso perdure, é um processo de esfacelamento da cadeia nacional”, alertou Gund. 

Apesar disso, o presidente da Peixe BR pondera que o prejuízo pode já ser sentido nos próximos meses ainda neste ano, devido a dinâmica de cultivo. “O peixe deste ano, que vai ser despescado este ano, já está 100% nos tanques. Então, eu já tenho uma produção e eu tenho que terminar e vender. Ou seja, o peixe de julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro já está comendo uma ração dentro d’água. Eu posso reduzir o povoamento, mas a partir do ano que vem”, explicou Medeiros. Com mais produto no mercado interno, os preços tendem a diminuir no Brasil nesse período, mas a um custo de comprometer a atividade.

Sem alternativa

Dos principais pescados exportados, a tilápia também preocupa por não ter um mercado capaz de substituir o americano. “Nós exportamos [tilápia] para mais de 40 países, mas com volumes significativos, não temos outro mercado, porque nós temos um concorrente de peso no mercado internacional, que é a China”, afirmou Medeiros.

Já o diretor da ABipesca pontua que no caso da corvina, terceiro principal peixe vendido para os Estados Unidos (cerca de 2,7 mil toneladas em 2024), parte pode ser redirecionada para África e China. Mesmo assim, há perda em valor, já que os norte-americanos costumam pagar melhor. 

“Nosso sonho de consumo é União Europeia, Estados Unidos e China. A União Europeia está fechada, Estados Unidos, inviabilizado. Nesse cenário, sobrou a China para a gente escoar. Mas a China não importa a tilápia do Brasil. Então, no caso da cadeia de tilápia, que é a que mais vem crescendo na última década, ela não tem plano B. O plano B é o próprio país. É botar produto aqui dentro. Só que isso tem um teto”, acrescentou o diretor.

A Abipesca afirma que já iniciou conversas com o Mapa e o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) para reverter a situação. “O pedido é para que a gente consiga pelo menos que o governo negocie 90 dias para a entrada em vigor [da tarifa], para que com cautela, com serenidade, consiga encontrar um caminho de solução”. Segundo o diretor, é preciso “ter noção nessa briga da importância de cada mercado” e “buscar um caminho de pacificação sem entrar em embate ideológico”. 

A Peixe BR também indica que começou articulações junto a pessoas ligadas ao presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, para que haja uma negociação das tarifas. “Os nossos esforços são junto ao governo brasileiro para que ele comece uma negociação diplomática em relação às tarifas, como todos os outros países fizeram”, disse Medeiros.

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