Analistas não descartam possível triangulação do café brasileiro para escapar do tarifaço após conclusão da venda da JDE Peet’s para a KDP
“O pessoal está apavorado”, resume Haroldo Bonfá, diretor da Pharos Consultoria sobre a reação de players do mercado de café após a norte-americana Keurig Dr Pepper (KDP) ter fechado acordo para comprar a holandesa JDE Peet’s, controladora das marcas Pilão e L’OR. O valor da operação é de US$ 18 bilhões — a maior aquisição já registrada no setor de café mundial.
Segundo Haroldo, a incerteza parte da concentração de mercado da companhia após a transação. “A KDP vai ser a primeira ou a segunda marca em 40 países. Será a maior indústria de café do mundo. Quer dizer, terá uma força muito grande”, afirma. Na visão dele, apesar da operação ser tratada como oligopólio, configura-se um monopólio.
Atualmente, a JDE Peet’s é uma das maiores empresas de café globais, fornecendo cerca de 4,4 mil xícaras de café por segundo em mais de 100 mercados. No ano passado, a companhia registrou € 8,8 bilhões em vendas e conta com mais de 24 mil funcionários ao redor do mundo.
As consequências, no entanto, podem ir além do tamanho da nova empresa, redesenhando a tendência de mercado do café. Bonfá faz uma comparação com o mercado de cervejas: quando algumas empresas ficaram gigantes, surgiu espaço para pequenas marcas que buscavam oferecer produtos diferenciados, muitas vezes, artesanais.
“Hoje, já temos pequenas torrefadoras que pegam o grão, torram, moem e já vendem, algo que chamamos de ‘bean to package’ [da colheita do grão até o produto embalado]. É um nicho micro, mas com potencial de inovação e diferenciação dentro de um mercado dominado por gigantes”, aponta.
O movimento da KDP acontece em um momento de grave volatilidade nos preços do café, impulsionada pelos baixos estoques globais, pelas mudanças climáticas e pela tarifa comercial imposta pelos Estados Unidos. Atualmente, o café brasileiro está taxado em 50% para entrar no principal mercado consumidor da bebida.
Para Gil Barabach, analista da Safras&Mercado, a aquisição não apenas aumenta significativamente a escala da KDP, como também oferece uma forma de contornar obstáculos como o tarifaço. “Eventualmente, pode ocorrer triangulação com produto industrializado, utilizando matéria-prima brasileira”, explicou, destacando o potencial estratégico da operação.
Apesar de não acreditar que o tarifaço tenha sido o principal motivo da KDP para fechar o acordo, Bonfá, também não descarta esse tipo de movimento caso as tarifas de 50% sobre o café brasileiro ainda estejam em vigor quando a operação for concluída, no próximo ano. “Não precisa ser nem tão complicado. Levando para a Europa. Pode ser via Canadá ou via México”, declara.
Após a conclusão do negócio, previsto para ocorrer no primeiro semestre de 2026, a KDP será dividida em duas companhias independentes: uma voltada para bebidas geladas, como Dr Pepper, Snapple e energéticos, e outra dedicada ao café, batizada de Global Coffee Co. A companhia dedicada à segunda bebida mais popular do mundo vai gerenciar as marcas JDE Peet’s e toda a linha de cápsulas e cafés embalados, além da rede de 280 lojas Peet’s Coffee nos EUA e outras 200 internacionais.
A nova estrutura da Global Coffee Co. deve reunir ainda 125 linhas de cápsulas e cafés embalados, controlar mais de 40 fábricas e movimentar US$ 16 bilhões em vendas líquidas anuais, consolidando-se como a maior plataforma global de café industrializado.