Economia
Mercado de café teme caos logístico com baixos estoques e tarifas
Exportadores veem incerteza em negociações futuras e analistas alertam para o risco estrutural de estoques baixos

Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com
21/07/2025 - 08:00

O mercado global de café fechou a última semana oscilando sob o impacto do anúncio dos Estados Unidos (EUA) — maior consumidor mundial da bebida — de que pretende impor tarifas de 50% sobre todas as importações do Brasil — maior produtor mundial de café.
Embora o café arábica tenha encerrado a sexta-feira, 18, em leve queda de 1,2% na Bolsa de Nova York, a US$ 3,036 por libra-peso, o contrato acumulou alta de 6% na semana. O resultado, segundo analistas, foi puxado pela incerteza em torno do comércio entre os dois países.
A medida do governo norte-americano, prevista para entrar em vigor em 1º de agosto, ameaça interromper o fluxo de café brasileiro para os EUA, que compram cerca de um terço de todo o seu consumo do Brasil. No ano passado, esse volume girou em torno de 8 milhões de sacas por ano, segundo o Escritório Carvalhaes.
Apesar do choque inicial, os exportadores brasileiros afirmam que, por ora, os contratos seguem honrados e o comércio não sofreu cancelamentos. Mas o clima é de cautela, especialmente para novos negócios. “Nenhum associado reportou interrupção. Mas as novas negociações estão em compasso de espera”, afirmou Marcos Matos, diretor geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) ao Agro Estadão.
De acordo com Matos, caso a tarifa entre em vigor, o setor pode enfrentar dificuldade nas próximas negociações, uma vez que o mercado precisa de previsibilidade para funcionar. “Estamos tendo um período de incerteza”, alerta.
Estoques mundiais de café no limite
Além da tensão política, o setor lida com um problema estrutural: estoques baixos em escala global. O analista Eduardo Carvalhaes destaca que não há reservas de segurança, nem nos países produtores nem nos consumidores — reflexo de anos seguidos de problemas climáticos nas principais origens. “Não há um país produtor que, nos últimos três, quatro anos, não tenha sofrido com problemas climáticos. Agora, os estoques estão apertados”, disse.
Conforme explica o especialista, a dificuldade em formar estoques torna qualquer disrupção no comércio um risco real para a oferta mundial. Segundo ele, a busca por outros fornecedores pelos EUA pode não ser suficiente para cobrir a lacuna deixada pelo Brasil — o maior exportador de arábica, com cerca de 40 milhões de sacas anuais, bem à frente da Colômbia (12 milhões), segundo principal exportador.
Analistas projetam que uma tentativa americana de substituir o Brasil criaria um efeito dominó no mercado. Isso pode ocorrer porque fornecedores alternativos como Colômbia, Vietnã, Indonésia e México também enfrentam tarifas ou limites produtivos, o que pode desorganizar rotas comerciais e gerar escassez em outros mercados. “O mercado de café é muito organizado. Uma mudança brusca pode gerar um caos logístico e comercial”, alertou Carvalhaes.
Pressão nos preços, mas em sentidos opostos
O cenário pode ter efeitos contraditórios sobre os preços. No Brasil, o possível represamento de café que não conseguiria ser exportado tende a pressionar os preços para baixo no mercado interno.
Nos EUA, ao contrário, a dificuldade de acesso ao produto deve elevar as cotações locais, cenário já observado na Bolsa de Nova York, que subiu de 280 para 300 centavos de dólar por libra-peso desde o anúncio. “É um movimento raro: o mesmo produto com efeitos opostos em mercados conectados”, salientou Fernando Maximiliano, analista da StoneX.
O impacto nos EUA vai além do abastecimento. O setor de café movimenta 2,2 milhões de empregos no país e cada dólar gasto em importação gera US$ 43 na economia americana, segundo a National Coffee Association. “É difícil imaginar como o mercado americano vai equilibrar essa conta”, disse Maximiliano.
Com a adição de um contexto político imprevisível, analistas não descartam mudanças de rumo por parte dos EUA, nem aliviam o tom sobre o impacto caso as tarifas se mantenham. “Nem bola de cristal resolve essa equação. O mercado vai ter que esperar para ver como ou se as negociações entre Brasil e EUA evoluem”, destacou Carvalhaes.

Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Economia
1
Tarifa: enquanto Brasil espera, café do Vietnã e Indonésia pode ser isento
2
COP 30, em Belém, proíbe açaí e prevê pouca carne vermelha
3
A céu aberto: produtores de MT não têm onde guardar o milho
4
Fazendas e usinas de álcool estavam sob controle do crime organizado
5
Exportações de café caem em julho, mas receita é recorde apesar de tarifaço dos EUA
6
Rios brasileiros podem ser ‘Mississipis’ do agro, dizem especialistas

PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas

Economia
Exportações de MS crescem 3,26% até agosto; carne bovina tem alta de 43,7%
Apesar da tarifa de 50% dos EUA, Estado conseguiu redirecionar e produção e diversificar os destinos para a carne

Economia
Desbloqueio de tarifaço do Agro passa por mercado de etanol; entenda
Especialistas ouvidos nesta segunda-feira, 8, pelo Conselho do Agronegócio da Fiesp indicam que impasse com os EUA pode se intensificar

Economia
Oferta robusta e demanda retraída pressionam soja, milho e trigo
Mercados futuros e domésticos das commodities registram recuos e oscilações exigindo cautelas dos agricultores

Economia
Agricultores franceses disparam contra acordo Mercosul-UE: 'traição programada'
Maior sindicato agrícola da França acusa Bruxelas e Paris de sacrificar os agricultores franceses para favorecer grandes exportadores industriais
Economia
Indonésia habilita novos frigoríficos brasileiros de carne bovina
País asiático já comprou mais de 12 mil toneladas de carne brasileira neste ano
Economia
China importa volume recorde de soja em agosto
Enquanto os chineses intensificam as compras do Brasil, os agricultores norte-americanos ficam de fora das aquisições
Economia
Expointer bate recorde de público, mas vendas caem pela metade
Feira em Esteio (RS) recebeu mais de 1 milhão de visitantes e foi marcada por protestos de agricultores
Economia
Safra de soja 25/26 começa em MT com incertezas do La Niña
Com custos em alta, crédito restrito e produtividade ameaçada pelo clima, Aprosoja-MT e Imea projetam safra menor nesta temporada