Economia
BB: restrição a produtores em recuperação judicial visa garantir sustentabilidade dos negócios
Inadimplência na carteira do agronegócio do banco atingiu, em junho de 2025, o maior nível da série histórica, 3,49% — cerca de R$ 12,7 bilhões em dívidas atrasadas
Paloma Santos | Brasília | paloma.santos@estadao.com
29/10/2025 - 15:40

O Banco do Brasil afirmou que a restrição de crédito a produtores rurais que ingressam com pedido de recuperação judicial “é uma medida usual adotada pela indústria financeira”. Em nota enviada ao Agro Estadão, a instituição reforçou que “o financiamento para clientes que ingressam em processos deste tipo fica restrito por conta da elevação do risco de crédito”.
Segundo o BB, a medida “visa garantir a sustentabilidade dos negócios, proteger os recursos dos acionistas e investidores, e preservar a capacidade do banco de continuar financiando o setor de forma ampla e segura”.
A declaração ocorre após a repercussão da fala do vice-presidente de Controles Internos e Gestão de Riscos do banco, Felipe Prince, que disse que produtores em recuperação judicial “não terão crédito hoje, amanhã nem nunca mais”. O comentário gerou reação de entidades, como a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). O deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da bancada ruralista, classificou a postura como “um desrespeito ao setor agropecuário”.
Na resposta, o Banco do Brasil acrescentou que o mecanismo deve ser usado apenas em situações extremas. “Alguns casos demonstram que este instrumento legítimo está sendo desvirtuado de forma deliberada”, diz a nota. E afirmou que mantém o compromisso de “apoiar produtores de todos os portes com soluções financeiras adequadas, respeitando os princípios da governança corporativa, da transparência e da sustentabilidade”.
A declaração do Banco do Brasil possui respaldo jurídico. Consultado pelo Agro Estadão, o advogado Guilherme Caprara, sócio do escritório MSC Advogados, esclareceu que a legislação brasileira não obriga as instituições financeiras a concederem crédito para empresas ou produtores rurais em recuperação judicial.
Inadimplência em alta no crédito rural
A inadimplência na carteira do agronegócio do Banco do Brasil atingiu, em junho de 2025, o maior nível da série histórica, 3,49%. O percentual equivale a R$ 12,7 bilhões em dívidas atrasadas.
Embora proporcionalmente o índice esteja próximo ao pico da série, observado durante a pandemia de Covid-19 (2020), o impacto financeiro é maior, já que a carteira de crédito rural quase dobrou de tamanho no período — de R$ 182 bilhões para R$ 365 bilhões. A elevação reflete, segundo analistas, o aumento dos juros, custos de produção, recuo dos preços agrícolas e efeitos do clima sobre as safras.
Para se ter uma ideia, entre 2014 (início da série) e 2018, a inadimplência oscilava entre 0,5% e 1,5%. Durante a pandemia, o índice chegou a 3,6%. Depois, recuou para 0,7% entre 2021 e 2022. E voltou a subir no último trimestre de 2023.
Atualmente, o índice do crédito rural no banco supera a média geral da instituição (3,2%) e a carteira de pessoas jurídicas (entre 2,5% e 3%), mas permanece abaixo da inadimplência das pessoas físicas, que ultrapassa 5,5%.
Equalização e pressão sobre o crédito subsidiado
As receitas de equalização de juros, repasses do Tesouro Nacional que cobrem parte dos custos dos subsídios do Plano Safra, chegaram a R$ 1,5 bilhão no primeiro trimestre de 2025, após oscilar entre R$ 500 milhões e R$ 1,3 bilhão nos últimos cinco anos.
Apesar da recuperação, a participação da equalização na carteira total do BB encolheu. Em 2015, os repasses representavam cerca de 1% do saldo do crédito rural da instituição, enquanto em 2025 equivalem a apenas 0,4% — proporção modesta diante de uma carteira que alcançou R$ 364,9 bilhões em junho deste ano, praticamente o dobro do registrado no início de 2020.
Crise de crédito nacional
Um levantamento da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), divulgado neste mês com base em dados do Banco Central (BCB), alerta para o aumento da inadimplência no setor como um todo e para a redução nos valores destinados ao custeio das lavouras brasileiras entre julho e setembro de 2025, em relação ao ciclo anterior.
Em julho deste ano, a taxa chegou a 5,14%, a mais alta da série histórica. “O recorde anterior, que tinha sido em 2017, foi pouco mais de 3%, e nos preocupa porque isso ainda está subindo”, disse o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz.
“Não estamos vivendo uma crise de crédito no Rio Grande do Sul, por conta de tudo que vivemos. Estamos vivendo uma crise de crédito no Brasil, a maior da história, seguramente”, afirmou o economista.
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