Welber Barral
Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil
Esse texto trata de uma opinião do colunista e não necessariamente reflete a posição do Agro Estadão
Opinião
Alternativas à profanação das universidades
Afinal, para um universitário oriental ou indiano, seria mais agradável cursar um semestre de inverno em Florianópolis ou no Wisconsin?
02/06/2025 - 08:15

Deveria ser um voo normal para o professor René Étoile (nome fictício). Reconhecido especialista em engenharia espacial, ele inicialmente não entendeu quando, ao pousar no aeroporto de Houston, foi levado para uma sala e o agente de imigração pediu seu celular. Ficou calado enquanto suas redes eram vasculhadas, e assustou-se quando o agente, agora acompanhado por outros dois, disse-lhe que “algumas mensagens expressavam ódio contra Trump e poderiam ser qualificadas como terrorismo”. Detido por um dia, nosso professor acabou deportado para a França, gerando protestos do governo Macron.
O incidente, em março deste ano, exemplifica a infeliz cruzada do governo Trump contra a ciência, as universidades e a liberdade de cátedra. Se “quem adentra uma universidade caminha sobre solo sagrado”, as ações contrárias às entidades de ensino, nos Estados Unidos, vêm se materializando em prisões de manifestantes, corte de recursos, limitação à pesquisa e, agora, suspensão de vistos para alunos que almejam as reconhecidas universidades norte-americanas. A conspurcação trumpista é particularmente implacável contra universidades que permitem estudos sobre gênero, mudanças climáticas ou saúde pública.
Os prejuízos a longo prazo, para as universidades alvejadas, podem ser irreparáveis. A falta de financiamento interrompe pesquisas longevas, com contribuições definitivas para a ciência. Os temas censurados dificultam a compreensão de fenômenos implacáveis para o futuro do planeta. A barreira aos estrangeiros impede o acesso de mentes brilhantes ao alunado, e limita a influência futura dos EUA.
Foi por reconhecer estes efeitos, e também para aproveitar uma oportunidade para sua ciência que, logo em seguida ao incidente de Houston, se moveu o governo francês. Macron convidou pesquisadores para transferirem-se para universidades francesas, onde lhes será garantida a liberdade de expressão e de pesquisa. Lançou-se a plataforma “Choose France for Science”, prometendo ainda financiar 50% dos projetos, com ênfase — não por coincidência — em temas que vão do desenvolvimento sustentável aos estudos espaciais.
A iniciativa francesa exemplifica a captura internacional de cérebros, fundamental num mundo movido pela tecnologia. No passado, foram os EUA que adotaram os cientistas europeus que escapavam do fascismo. Foi também a história dos cientistas soviéticos que escaparam para Israel, e deram origem à “nação startup” de hoje.
Um questionamento válido seria se o governo e as universidades brasileiras não deveriam atentar para esta oportunidade. Obviamente, o financiamento à pesquisa no Brasil pouco pode se comparar aos recursos norte-americanos e europeus. Tampouco existe o engajamento do setor privado na cooperação com centros de pesquisa, que permite gerar mais conhecimento, produtividade e propriedade intelectual.
Mas, ainda assim, há alternativas que poderiam ser exploradas. Cooperação científica poderia permitir a pesquisadores estrangeiros desenvolver parte do trabalho no Brasil. Bolsas temporárias poderiam atrair professores que desejam escapar durante esses tempos medievais. Intercâmbios poderiam permitir a alunos estrangeiros de universidades norte-americanas cursar parte do programa no Brasil, com professores visitantes. Uma alternativa que não apenas traria recursos, conhecimento, experiências para universidades brasileiras, como também criaria vínculos com o Brasil para futuros líderes e cientistas.
Afinal, para um universitário oriental ou indiano, sagrado por sagrado sendo o solo, além de tudo seria mais agradável cursar um semestre de inverno em Florianópolis do que no Wisconsin.
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