Documento reúne reivindicações do setor, como a inclusão no RenovaBio e participação em benefícios fiscais estaduais
Produtores de cana de diferentes estados do Brasil estão reunidos nesta quarta, 10, e quinta, 11, em Brasília (DF), para discutir medidas de apoio ao segmento. O Cana Summit, organizado pela Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), pretende reunir um documento com todas as demandas na chamada Carta de Brasília. O documento deve ser entregue nesta quinta, no final do evento, a diferentes autoridades do executivo e do legislativo federais.
Atualmente, 40% de toda a produção brasileira de cana vem de aproximadamente 70 mil produtores independentes. O CEO da Orplana, José Guilherme Nogueira, conversou com o Agro Estadão para explicar o que essa carta vai tratar e quais os principais pontos que ela deve tocar.
“Nós estamos chamando de carta de Brasília onde vai ter os principais anseios do produtor de cana perante o poder público, tanto federal, estadual e municipal”, reforçou Nogueira.
O Conselho dos Produtores de Cana de Açúcar, Açúcar e Etanol (Consecana) é um órgão privado criado para regular os preços dos subprodutos da cana (álcool e açúcar). Basicamente é formado por produtores de cana e as usinas de processamento da planta. O principal e mais usado como base para os preços, é o Consecana de São Paulo, que é formado pela Orplana e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica).
Nogueira explica que os produtores de cana são remunerados pelo açúcar e álcool gerados a partir da produção da planta na propriedade. Até então, esses conselhos só determinam os pagamento sobre esses subprodutos. No entanto, outros subprodutos foram criados, como é o caso da bioeletricidade, produzida a partir do bagaço, mas não têm regulamentação nos conselhos para a remuneração.
O pleito da entidade representativa é para uma revisão do Consecana para que possa englobar os diferentes materiais produzidos a partir da cana. “Estamos pedindo a revisão como um todo: dos parâmetros técnicos e econômicos, para trazer a realidade que acontece hoje no seguimento e para que a gente desenvolva e tenha uma cadeia equilibrada e harmoniosa”, disse Nogueira ao Agro Estadão.
Apesar de ser um tema que envolve apenas agentes do setor privado, o CEO da Orplana ressalta ser necessária a força dos governos para ajudar no diálogo. “Somos o elo mais fraco e que tem uma restrição de poder, então, os governantes ajudam nessa discussão”.
Os Créditos de Descarbonização (CBIOs) funcionam como um mercado de carbono para empresas. Basicamente, os biocombustíveis, como o etanol, emitem menos dióxido de carbono em relação aos combustíveis fósseis, então, essa diferença entre emissões é considerada como um crédito que pode ser comercializado por empresas produtoras de biocombustíveis. Esses créditos são comprados na Bolsa de Valores, a B3, por empresas que têm metas de redução de emissão de carbono. Um CBIO equivale a uma tonelada de CO² que deixou de ser emitido.
A forma para se calcular os CBIOs de uma empresa leva em consideração uma série de fatores, como a matéria prima utilizada, além da eficiência industrial na hora de produzir o biocombustível. Apesar disso, a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) não inclui os produtores de cana, ou seja, eles não têm a obrigação de receberem valores dos CBIOs comercializados pela usinas.
Segundo uma pesquisa apresentada durante o Cana Summit e feita pelo Instituto Pecege, apenas 35% dos produtores de cana recebem receita gerada dos CBIOs. Por não se ter uma legislação que garanta isso, a maioria desses contratos acontece individualmente entre os produtores e as empresas fabricantes de etanol.
A Orplana entende que esse número ainda é muito baixo e por isso defende o projeto de lei 3.149/2020, que inclui os produtores de cana no RenovaBio. Além disso, a matéria também determina que 80% das receitas dos CBIOs referentes à produção de cana dos produtores devem ser encaminhadas ao agricultor. “[Os 20%] seriam como se fosse uma parte para pagar esse processo de moagem”, completa Nogueira.
Mesmo com a proposta em tramitação, a entidade ainda tenta negociar e ampliar esses recebimentos sem a necessidade de uma legislação específica. Porém, caso o assunto não avance, a ideia é que a petição chegue aos deputados federais por meio da Carta de Brasília.
“A cana é uma máquina de descarbonizar. Ela pega o carbono da atmosfera e transforma aquilo em tonelada de cana, que depois vai ser processada. Nada mais justo do que esse recebimento vindo da própria cana cultivada pelo produtor”, acrescenta o CEO da Orplana.
Outro ponto que deve constar na Carta de Brasília é o pedido para que o valor da gasolina comum (tipo C) seja comercializado de acordo com o Preço de Paridade Internacional (PPI). Atualmente, o Brasil não adota esse modelo, o que achata os preços do etanol, segundo Nogueira. O biocombustível é adicionado a gasolina e o produto final é o que pode ser comprado pelo consumidor nos postos.
Basicamente, com um preço da gasolina vendida nos postos abaixo do que é praticado no mercado internacional, o valor do etanol utilizado na mistura também cai, já que a gasolina comum tem 27% de etanol anidro. Segundo o CEO, hoje a defasagem entre o preço praticado internacionalmente e o preço interno é de 17,2%, ou seja, a gasolina comum no Brasil é 17,2% mais barata do que no mercado externo.
Porém, isso traz um prejuízo para o setor sucroalcooleiro. “O que nós queremos é a paridade dos preços internacionais. Se o preço for pra baixo, tudo bem. Se for pra cima, tudo bem também. Agora, não dá para segurar o preço para que o etanol fique perdendo campo”, completou.
O primeiro dia do Cana Summit foi marcado pela presença de autoridades nacionais. Já o segundo dia contará com governadores e prefeitos. Para essa esfera de poder, a Orplana também deve levar demandas dos produtores de cana.
Uma delas é o recebimento de incentivos fiscais, como o crédito presumido. Também chamado de crédito outorgado, essa modalidade de benefício gera uma espécie de cupom de desconto nas despesas com ICMS para empresas. A reclamação da entidade é que muitas vezes esses créditos não são repassados para o produtor rural.
“Às vezes o crédito outorgado de ICMS que chega para as usinas de cana, não chega para o produtor. Parece óbvio que esse repasse aconteceria, mas não acontece”, relata Nogueira. A ideia é pressionar as esferas estaduais para que os incentivos também sejam concedidos aos produtores independentes de cana.
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