Setor se mobiliza para tentar reverter situação e pede resposta “política” do governo brasileiro, não apenas técnica
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) decidiu não aplicar medidas antidumping de forma provisória sobre a importação de leite em pó dos vizinhos argentinos e uruguaios. A decisão é preliminar e acontece no âmbito da investigação antidumping aberta no final do ano passado.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) é quem fez a petição junto à pasta para que o processo fosse aberto. Em março, a CNA pediu que houvesse uma iniciativa do MDIC no sentido de impor medidas provisórias. A circular com a decisão foi publicada nesta terça-feira, 12, no qual o ministério não adotou o direito de aplicar medidas antidumping provisoriamente.
A recomendação após a análise das manifestações das partes envolvidas, como exportadores, importadores, governos e a própria CNA, foi de que haja o “prosseguimento da investigação, sem a aplicação de direito antidumping provisório”. Na justificativa, o MDIC aponta que “não há elementos suficientes para comprovar dano” para a indústria brasileira de leite em pó.
No entanto, a CNA questiona a forma como o processo foi tratado, já que alega mudanças na “metodologia”. A principal seria de que a indústria de leite em pó não poderia ser representada pela entidade dos produtores de leite, já que leite cru e em pó não são produtos idênticos.
“Foi nos argumentado, que saiu algumas decisões, algumas mudanças nos órgãos internacionais de comércio, onde o entendimento era outro, que você tem que analisar a indústria com produto idêntico e não do produto similar. Porém, segundo ele, há exceções”, afirmou o diretor técnico da CNA, Bruno Lucchi.
O diretor e deputados federais da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e da Frente Parlamentar em Apoio ao Produtor de Leite participaram de uma reunião com a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres, nesta quarta-feira, 13, para defender uma reavaliação da decisão. Depois da conversa, a intenção da CNA é analisar essas “exceções” no entendimento e recorrer da decisão do MDIC.
“O que nós relatamos para eles [MDIC] é que a indústria brasileira de leite em pó não vai ter interesse em discutir uma prática desleal de comércio porque ela se beneficia disso. E se tiram essa prerrogativa de uma entidade como a CNA, em defender o produtor de leite, a gente perde não só agora, mas futuramente qualquer tipo de prática desleal”, pontuou.
Ao final da reunião, deputados que compõem a bancada ruralista e a bancada de apoio ao produtor de leite disseram que o pedido foi para que a decisão tomada pelo MDIC levasse em consideração a parte política da medida. Segundo eles, os argumentos do governo são técnicos, mas não podem se basear apenas nisso.
“Nós entendemos que o leite, além de fazer parte da cesta básica, tem uma composição social na geração de renda e na manutenção da propriedade produtiva. Então, nós queremos que o governo tenha uma decisão política em cima da cadeia produtiva do leite e não só uma decisão técnica”, se posicionou o deputado federal Lucio Mosquini (MDB-RO).
De acordo com o deputado federal Rafael Pezenti (MDB-SC), a circular do ministério foi uma “surpresa”, já que indica, “preliminarmente, a disposição de não acatar o pedido” de medidas antidumping. No entanto, ele ponderou que o governo se mostrou “sensível” com a situação. “Há uma predisposição a reavaliar a decisão que foi tomada”, comentou o deputado.
Nesse sentido, a CNA entende que, no início do processo, teve uma participação política do governo, que sinalizou que seria viável. “Se eles colocassem que não tem chance, a gente não ia apresentar”, acrescentou o diretor técnico da entidade. No entanto, Lucchi ponderou: “Nós temos total ciência que o MDIC é um órgão técnico, para fazer uma avaliação técnica dos fatos que nós temos apresentado”.
Agora, a CNA tem dez dias para apresentar uma manifestação pedindo a reavaliação da decisão. O prazo para a determinação final é até novembro.
Em resposta à reportagem, o ministério afirmou que a decisão preliminar “foi tomada com base em critérios estritamente técnicos, em conformidade com as regras estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC)”. Na análise feita, a pasta entendeu que o dano ao setor produtivo “deve considerar os resultados econômico-financeiros de produtores de leite em pó, e não de leite in natura”.
Ainda conforme a nota, essa interpretação está alinhada ao Acordo Antidumping da OMC e “leva em conta decisões anteriores do Órgão de Solução de Controvérsias”, também do organismo internacional. Além disso, pontou que essas mudanças de entendimento “são naturais” e indicam um evolução e aperfeiçoamento contínuo.
“O ministério ressalta que a nova interpretação, ainda que mantida em sede de determinação final, não impede que produtores de leite in natura apresentem pedidos de medidas de defesa comercial, inclusive investigações antidumping. Caso haja petição formal, será conduzida, como de praxe, nova análise para verificar se o produto nacional pode ser considerado similar ao importado a ser investigado, conforme a definição aplicável ao caso concreto — que poderá ser mais ampla ou mais restrita que a adotada na presente investigação”, afirmou a pasta concluindo que o processo segue em curso até a decisão final e que o setor produtor de leite in natura também poderá apresentar novas manifestações na investigação atual.