Novo produto tem benefícios ambientais e pode gerar renda para famílias em situação de vulnerabilidade social
O estudante Alex Kim, de 17 anos, estava em uma cafeteria em São Paulo quando soube que 99,8% dos resíduos do preparo da bebida no mundo vão para o lixo. Seria uma informação corriqueira não fosse a curiosidade científica desse sul-coreano que mora na capital paulista. Passados três anos, ele toca, agora, uma startup para reaproveitar a borra em um projeto socioambiental.
A vinda da família para o Brasil, há quase dez anos, foi motivada pelo trabalho do pai. Da Coreia, Kim trouxe a ligação com a ciência. “Quando era criança, já queria ser cientista. Tinha kits de brinquedo para fazer miniexperimentos e sempre gostei muito de Thomas Edison [inventor de diversos equipamentos, entre eles a lâmpada incandescente]. Lia muitos livros sobre ele”.
Estudando em uma escola internacional, a Graded, Kim teve acesso ao conhecimento e a ferramentas que permitiram o desenvolvimento da tecnologia por conta própria. Pesquisando, ouvindo conselhos de especialistas e testando várias fórmulas, ele obteve uma argila 100% biodegradável, que pode se decompor completamente em poucas semanas no ambiente. O invento ainda elimina procedimentos industriais para processar a borra, como o uso do Ácido Polilático (PLA). O composto, também conhecido como bioplástico, não se degrada totalmente na natureza. Outro benefício é a redução na emissão de gases do efeito estufa, já que a borra de café, quando descartada em aterros sanitários, libera metano — um dos vilões do aquecimento global.
A Recafenet foi lançada oficialmente em março de 2024. A startup tem três objetivos bastante ambiciosos: reciclar resíduos do café para mudar o mundo, construir um ecossistema de economia circular na indústria do café e realizar programas de apoio à autossuficiência de comunidades de baixa renda. “Acredito que a indústria da alimentação precisa refletir seriamente sobre o impacto do lixo que produz. A Recafenet espera ser um ponto de partida nesse sentido. Estamos em uma fase de promover conexões, para incentivar a reciclagem sustentável dos resíduos do café”, afirma Kim.
Na empresa, os resíduos são utilizados para moldar produtos que seriam feitos com argila convencional — como recipientes e sabonetes esfoliantes. Kim explica que 50 gramas da borra são suficientes para produzir um vaso. “Só no último verão, fizemos 150 vasos, cada um vendido a R$ 30”, relata o estudante.
Neste primeiro momento da jovem empresa, os recursos arrecadados estão ajudando a sustentar a busca de parceiros. Kim está estabelecendo conexões com cafeterias e padarias que permitam a coleta da borra, com cooperativas de artesãos para a produção das mercadorias, e sites e lojas para comercialização.
Kim também se dedica a ensinar o uso da argila na produção de objetos como alternativa de renda. A ação mais recente foi na comunidade de Paraisópolis com crianças durante quatro dias. “A experiência foi bem surpreendente. O potencial artístico delas não demandou muita interferência minha”, lembra o jovem.
Mais de dez milhões de toneladas de café são produzidas por ano no planeta. É a segunda bebida mais consumida, atrás apenas da água. Por isso, Kim acredita que pode impactar outras regiões do Brasil — o maior produtor mundial do grão — e também do exterior.
No dia a dia, a borra de café costuma ser usada como adubo para plantas cultivadas em ambientes domésticos, por exemplo. Nos laboratórios de universidades e empresas, o potencial do resíduo é investigado para outros usos. Na Argentina, por exemplo, a borra é matéria-prima para a produção de copos, que substituem os descartáveis nas próprias cafeterias. Na Austrália, uma pesquisa estuda adicionar o resíduo ao cimento para melhorar a qualidade do concreto. Essas práticas, porém, ainda precisam de técnicas industriais complexas, diferente da fórmula artesanal criada por Kim.