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São Paulo investiga vírus letal em peixes e desenvolve vacina

Pesquisadores se dedicam a entender e combater o ISKNV, que vem preocupando criadores

Dois cientistas do Instituto de Pesca de São Paulo, ligado à Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (SAA), estão preocupados em diminuir os prejuízos que o Vírus da Necrose Infecciosa de Baço e Rim (ISKNV, na sigla em inglês) tem provocado na cadeia produtiva da piscicultura. 

A bióloga Claudia Maris Ferreira Mostério, doutora em Ciências, trabalha, há três anos, em um projeto para identificar a cepa do vírus em circulação no estado de São Paulo. Ela também se dedica a entender a capacidade de infecção e fazer o mapeamento completo do material genético do micro-organismo. 

Já o agrônomo Leonardo Tachibana, doutor em Aquicultura e com experiência em Zootecnia, se debruça sobre a produção de uma vacina usando material genético, capaz de gerar uma resposta imune robusta contra o vírus. Os dois estudos são financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Foto: Wenderson Araujo/CNA

Morte de alevinos

A infecção provoca a morte de tecidos do baço e grande aumento de megalócitos, células encontradas no rim e no baço dos peixes. Os principais sintomas são falta de apetite, pouca movimentação, respiração acelerada, coloração corporal alterada, olhos saltados e barriga inchada.  

Cláudia explica que o ISKNV foi notificado, pela primeira vez, em Goiás. Em 2022, apareceu em criatórios paulistas e começou a matar alevinos de tilápia — o peixe mais consumido no Brasil, cuja produção nacional cresceu 14,3% em 2024, segundo a Associação Brasileira de Piscicultura (PeixeBR). São Paulo é segundo maior produtor de tilápias no país, atrás apenas do Paraná.  

A pesquisadora, que, há 25 anos, estudava anfíbios, com foco em rãs, aceitou o desafio de mapear a prevalência do vírus no estado. Ela coletou alevinos em quatro regiões paulistas, priorizando os sintomáticos. 

As amostras foram submetidas a testes de PCR para o diagnóstico. As positivas eram confirmadas por sequenciamento genético e cultivo celular. Algumas delas foram encaminhadas para a Washington State University, nos Estados Unidos, para sequenciamento total do genoma. “Isso porque é um vírus difícil de trabalhar. São necessárias técnicas avançadas para identificar a presença dele”, afirma Claudia. 

Entre 2023 e 2024, sempre que a pesquisadora encontrava o ISKNV nos criatórios, notificava a Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado (CDA). “É de interesse de todos que esse vírus seja notificado. Isso, muitas vezes, não acontecia, porque os produtores tinham medo de dizer que os peixes estavam morrendo. O projeto os ajudou a entender que a CDA é um parceiro governamental”. A partir de 2025, a informação de infecção nas propriedades deve ser feita pelos próprios piscicultores.

Descobertas

Claudia explica que este vírus já foi relatado em outros tipos de peixes, como piranhas e acarás, mas a pesquisa se voltou para as tilápias devido à relevância econômica que a espécie vem ganhando. 

Claudia Maris acredita que mudanças climáticas ajudam a explicar aparecimento do ISKNV. Foto: Instituto de Pesca/Divulgação

Segundo ela, as investigações demonstraram que, conforme os peixes se desenvolvem, as infecções tendem a diminuir. A partir disso, os criadores têm preferido evitar os alevinos, mais suscetíveis ao vírus, e fazer a engorda de peixes maiores ou um pouco mais velhos.  

Outra pista apontada pela pesquisa é que o aparecimento do vírus está, provavelmente, relacionado à temperatura do ambiente, mas não às variações típicas das estações do ano, como se acreditava até então. Para Claudia, a explicação pode estar nas mudanças climáticas e nas oscilações de temperatura fora de época que elas provocam. 

A terceira descoberta foi que a cepa do vírus presente em São Paulo não mudou durante o período da pesquisa. “Isso é importante porque pode favorecer o desenvolvimento de uma espécie resistente ao ISKNV e também de uma vacina, como a que o Instituto de Pesca já vem fazendo”. 

Vacina de DNA

Os estudos que podem resultar em um imunizante contra o vírus são coordenados por Leonardo Tachibana, diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Aquicultura do Instituto de Pesca. Ele explica que já existe uma vacina no mercado. A diferença é que ela contém o vírus inativado, enquanto a do instituto está sendo feita a partir de material genético. 

Vírus foi inoculado em laboratório para estudos. Foto: Instituto de Pesca/Divulgação

Em laboratório, moléculas de DNA que se destacam por sua capacidade de replicação — os plasmídeos — são modificados para combater o vírus. A próxima etapa é inseri-los dentro de bactérias, que oferecem as condições para que eles se multipliquem e, posteriormente, sejam usados na produção da vacina — cuja aplicação deverá ser feita peixe a peixe. 

E por que desenvolver a partir do DNA se já existe uma com vírus inativado? Tachibana explica que as vacinas a partir de material genético conseguem gerar uma resposta imune melhor, porque estimulam a produção de linfócitos T. Elas também são mais estáveis em temperatura ambiente, não demandando refrigeração especial, o que facilita o transporte e o armazenamento.   

“As vacinas de DNA não contêm patógenos vivos ou inativados, o que elimina o risco de reativação do agente infeccioso. Isso as torna potencialmente mais seguras para sistemas imunológicos comprometidos. E também são mais fáceis de modificar e atualizar para combater novas variantes do vírus”, declara Tachibana. 

A expectativa é que o imunizante esteja disponível dentro de quatro a cinco anos, mas os primeiros resultados devem já ser obtidos em um ano e meio.