Inovação
Pela primeira vez, pesquisadores brasileiros sequenciam genoma do cupuaçu
Estudo do genoma do cupuaçu confirma semelhanças com cacau e pode ajudar no combate à vassoura de bruxa
Daumildo Júnior | Brasília | daumildo.junior@estadao.com
03/09/2024 - 05:00
Com casca resistente, polpa cremosa e branca, além de um sabor marcante e ácido, o cupuaçu é uma fruta típica da Amazônia. Seus usos são variados e vão desde o consumo in natura ou em sucos e doces até a indústria de cosméticos. Apesar disso, a cultura ainda necessita de avanços, especialmente no que diz respeito ao melhoramento genético. Por isso, pesquisadores brasileiros anunciaram que pela primeira vez conseguiram fazer o sequenciamento do genoma do cupuaçu.
O estudo contou com a participação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Amazônia Oriental em parceria com outros centros de investigação científica, como a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e a Universidade Federal do Pará (UFPA). Esse mapeamento do DNA da planta é importante para o desenvolvimento de variedades que serão mais resistentes a doenças, mais produtivas e mais adaptadas aos diferentes usos da fruta.
Segundo o pesquisador Rafael Alves, os ensaios científicos com o cupuaçu começaram ainda na década de 80 e de lá para cá já entregaram cultivares interessantes comercialmente, como o Cupuaçu 5.0, que tem uma produtividade de 14 toneladas por hectare, enquanto a média é de 3,4 toneladas no estado do Pará. Porém, os avanços em culturas perenes são mais lentos, já que um ciclo de melhoramento pode durar entre dez e 12 anos. Por isso, o sequenciamento do genoma do cupuaçu é considerado um salto nas investigações científicas.
“Para nós que trabalhamos com o melhoramento clássico do cupuaçu essa pesquisa é um divisor de águas. Antes a gente trabalhava totalmente no escuro. […] Agora, esse tempo [do melhoramento] vai baixar para pelo menos oito anos”, afirma Alves.
Uma das descobertas do estudo é a presença de bactérias naturais nas folhas do cupuaçuzeiro. Segundo Alves, esses organismos são principalmente do grupo Actinomycetota e produzem compostos capazes de ajudar no combate a doenças. O achado abre novas possibilidades de pesquisa, inclusive dentro dos biodefensivos.
Como o genoma do cupuaçu pode ajudar na prática?
A pesquisa em si não traz soluções para o produtor rural de forma imediata, mas abre caminhos para o desenvolvimento de sementes e, consequentemente, plantas novas e mais eficientes.
“Não tem nada melhor do que o melhoramento genético. As sementes são os insumos mais baratos para o produtor desenvolver a sua atividade , principalmente para as culturas perenes, que vão passar por 40, 50 anos. Ele não pode deixar de ter a semente com a melhor qualidade possível naquele momento”, esclarece o pesquisador.
Mesmo não tendo algo concreto ainda feito a partir da pesquisa, o melhorista genético aponta alguns usos que o estudo trará para a cultura do cupuaçu.
- Otimização da pesquisa: ao saber os genes existentes e o que eles provocam numa planta, é possível colocar marcadores no DNA. Com isso, após os cruzamentos entre materiais diferentes e com o nascimento de uma população de plantas, é possível identificar quais plantas nascidas têm o marcador desejado. Assim, ao invés de esperar anos para identificar uma parte dessa população de plantas que não tem as características buscadas, é possível saber quando elas ainda são mudas.
- Cupuaçu com menor acidez: outra característica que o pesquisador aponta é a identificação do gene ou do conjunto deles que causa a acidez na polpa. Com isso, é possível selecionar plantas que tenham um acidez menor.
- Plantas com melhor uso industrial: o cupuaçu é um fruto do qual se aproveita a polpa e também as sementes, as amêndoas. A partir delas é possível fazer a manteiga de cupuaçu, muito utilizada na indústria de cosméticos. Mas as amêndoas também podem se tornar matéria-prima para a fabricação de chocolates, conhecido também como cupulate. Esse chocolate de cupuaçu poderá abrir um nicho, já que ele não apresenta um composto presente no cacau chamado de teobromina. Essa substância funciona como um estimulante semelhante à cafeína. Dependendo do interesse comercial, a pesquisa pode ajudar na criação de variedades que produzem mais sementes e menos polpa.
O intercâmbio entre cupuaçu e cacau que pode ajudar a combater a vassoura de bruxa
Entre os 31.381 genes encontrados no sequenciamento do genoma do cupuaçu, cerca de 65% também estão no cacau. Isso confirma que o cupuaçu e o cacau são espécies semelhantes e por isso podem trocar informações úteis seja para o enfrentamento de doenças ou para melhorar algum aspecto da produção.
Uma das principais esperanças é encontrar uma forma de tornar o cupuaçu e o cacau resistentes à vassoura de bruxa. A doença é causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa e acomete ramos e frutos. Em estágios mais avançados ela pode devastar a produtividade de um pomar. Mas o que os pesquisadores descobriram é que existem genes do cupuaçu relacionados à resistência ao fungo.
Segundo o pesquisador da Embrapa, conhecer e separar esses genes pode ajudar a entender e tornar o cacau também resistente ao fungo. Como as plantas têm um nível alto de semelhança genética, estudos para fazer uma espécie de intercâmbio de genes podem ser feitos com os dados da pesquisa.
Além disso, há uma expectativa de que a resistência à vassoura de bruxa ajude a encontrar variedades também resistentes à monilíase – Moniliophthora roreri , já que ambas as doenças são causadas por fungos do mesmo gênero, o Moniliophthora. “Há pesquisadores que acreditam que matérias que tenham resistência à vassoura de bruxa deverão ter algum tipo de resistência à monilíase. Vamos torcer para que isso aconteça mesmo, porque o nosso cupuaçu tem resistência à vassoura de bruxa”, pondera Alves.
Além disso, essa via de informações genéticas pode trazer outros ganhos para o cacau. “No cacau há interesse de ter um gene do cupuaçu que provoca a queda dos frutos quando eles estão maduros. […] Se a gente transferir esse gene, o cacaueiro derrubaria todos os frutos quando eles estivessem maduros, e aí não teria um gasto tão grande com a colheita e não teria danos pela própria atividade de cortar os frutos”, reforça o melhorista genético.
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