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Organização e ‘trabalho de jardinagem’ mudam cenário do café em Caconde (SP)

Essa é a visão de Ademar Pereira, presidente do Sindicato Rural desde 2013 e que assumiu, como missão, conectar instituições para tirar atividade do “atraso”

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Igor Savenhago | Ribeirão Preto - SP

30/08/2025 - 08:00

Ligação de Ademar com o café desde a infância favoreceu o trabalho de resgate da cultura à frente do sindicato. Foto: Ademar Pereira/Arquivo pessoal
Ligação de Ademar com o café desde a infância favoreceu o trabalho de resgate da cultura à frente do sindicato. Foto: Ademar Pereira/Arquivo pessoal

Ademar Pereira cresceu acreditando que a comunicação na roça seria sempre difícil. Da quarta geração de uma família de pequenos produtores de café em Caconde (SP), passou boa parte de seus 48 anos de vida mal conseguindo falar ao telefone, por causa do relevo montanhoso. 

O café era vendido em coco, sem beneficiamento, o que prejudicava o rendimento dos agricultores. Em um município com metade de sua população, de 17 mil habitantes, vivendo na zona rural, era necessário transformar essa realidade. “Estávamos num atraso muito grande. Nem sei precisar em quantos anos. Muito atrasados mesmo”, afirma. 

O desejo de Ademar começou a se tornar realidade quando assumiu a presidência do Sindicato Rural de Caconde, que, segundo ele, estava parado há 22 anos, por culpa dos próprios agricultores. “Não éramos atuantes”. Mas ele rejeita os méritos pela mudança. Afirma que o trabalho foi apenas o de conectar instituições que pudessem implementar novas formas de manejo e um novo ânimo nas propriedades. 

A tecnologia chegou e melhorou não apenas a comunicação, mas apresentou outras modalidades de venda. De café especial, torrado, com sabores que têm conquistado turistas e, como ele diz, “tirado Caconde do anonimato”. 

Nessa entrevista ao Agro Estadão, Ademar avalia as características peculiares de Caconde, que, apesar de pequeno, tem mais de 2.400 propriedades rurais, e fala dos desafios e perspectivas para o “café das montanhas”. Confira. 

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Qual a importância do café para Caconde?   

Estou na quarta geração de produtores de café. Por causa do relevo, das montanhas, o produto se deu muito bem aqui, no quesito qualidade, no terroir. A altitude e o clima favorecem os cafés especiais. E Caconde tem uma peculiaridade: são 2.418 pequenas propriedades. Quando eu falo pequenas, já tem um dado de muita relevância: 605 delas são menores que cinco hectares. Temos uma população de 17 mil habitantes, sendo que quase metade vive na zona rural. O pessoal mora nas propriedades, explorando a cultura do cafeeiro. Aqui, o êxodo rural não chegou por conta da cafeicultura de montanha. Um outro dado é que, nessas 2.418 propriedades, são 3.040 cafeicultores. Você pode pensar que a conta não fecha, mas, por causa da falta de mão de obra, da mecanização e com o alto custo da produção, as parcerias foram crescendo. As propriedades foram sendo parceladas e, desde a crise de 2009, a cada ano aumenta o número de produtores, além do que 15% deles estão abaixo dos 30 anos.  

Nesse contexto, como foi sua chegada à presidência do sindicato? 

Quando eu vim para o sindicato, começamos um diagnóstico. E a primeira coisa que identificamos foi a falta de escala. Os produtores eram simplesmente fornecedores de matéria-prima, vendedores de café em coco, que colocavam nas mãos de atravessadores. Como são pequenas propriedades, não se justificam grandes investimentos. Mas é necessário um equipamento que seja, para que se possa participar de alguns mercados. Era preciso, então, naquele momento, cooperar. O associativismo precisava vir em primeiro lugar. Teve um apoio fenomenal. A Faesp, na época do Dr. Fábio [Meirelles, ex-presidente], desenvolveu um trabalho de organização comunitária, que virou um programa existente até hoje. A partir desta organização, a gente passou a aprender mais. Capacitação é o que nunca nos tem faltado. Dali a pouquinho, começamos a participar de feiras. A Faesp nos indicou para a Embrapa, que trouxe um projeto piloto chamado Semear Digital. Antes, a gente tinha uma dificuldade grande até de falar ao telefone, por causa das montanhas. Veio a Embratel para cá, o Senar [Serviço Nacional de Aprendizagem Rural] também, de maneira muito forte, para trazer tecnologias. É o que eles têm chamado de democratização da tecnologia para pequenas propriedades. Hoje, temos 1.500 assinaturas de internet só no campo. Caconde se tornou referência de conectividade e conseguimos circular a informação mais fácil. 

Quais os principais avanços que esse processo trouxe às propriedades? 

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Surgiu, então, a necessidade de comercialização. Passamos a estruturar uma cooperativa com apoio do Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], da Ocesp [Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo], da Secretaria da Agricultura, e começamos a participar mais com o produto pronto, descascado. Com isso, fomos abrindo outros mercados. Hoje, temos 13 torrefações regularizadas no município. Fizemos isso no café e agora estamos fazendo no leite, com a ideia de processar o queijo. A gente tem oito projetos aprovados nessa associação, com o Ministério da Agricultura [Mapa] como executor. O Mapa concede isenções para os laticínios, que investem no desenvolvimento de pequenas propriedades. Dentro da agricultura familiar, já temos o leite A2, de gado genotipado, vacas de leite que são filhas dos melhores touros, tudo trabalhado de maneira coletiva. Fomos contemplados também com quatro projetos dentro da política das Cadeias Produtivas Locais (CPL), da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado. Com tudo isso, ficou gostoso de trabalhar. Prestamos um serviço itinerante, com um trator, que vai até a propriedade, dois caminhõezinhos, que fazem o serviço de selecionar e padronizar para o modelo de exportação, o que antigamente era só para as grandes tradings do país. Tivemos uma escola montada com parceria de vários atores envolvidos. De madeira reciclada, ganhamos um contêiner com uma usina de energia e teto solar. Temos um laboratório e agora chegou uma biofábrica, que nos permite cultivar verduras com produtos biológicos. No caso do café, não conseguimos pulverizar mais a montanha. E essa tecnologia dos biológicos se somou ao serviço dos drones. Efetividade que repercute na qualidade do produto. Para quem, até ontem, não tinha um sistema de voz, a realidade mudou com a tecnologia. Consequentemente, veio a pesquisa, as revendas ficaram mais interessadas em atender o produtor. Passamos a ter do lado as escolas, os institutos federais. A CNA [Confederação Nacional da Agricultura] também está muito presente. E vamos fortalecendo a proposta de verticalização. Pelas pessoas especialistas em mercado, Caconde tem ofertado verdadeiras iguarias em cafés especiais. 

Segundo Ademar, êxodo rural não chegou à cafeicultura de montanha: metade da população de Caconde mora na zona rural. Foto: Ademar Pereira/Arquivo pessoal

Esse trabalho passa também pelas técnicas agrícolas? 

Temos chamado aqui de “trabalho de jardinagem” o que o agricultor tem feito na lavoura de café. O sistema de poda permitiu adensamento e, com isso, ele dobra a produtividade. Como está acontecendo com o vinho, em que se faz a dupla poda e coloca para produzir no inverno. Com o café, não tem sido diferente. A pesquisa também trouxe materiais genéticos novos, com maior concentração de Brix, o que contribuiu para a qualidade. O aprimoramento também passa pelos concursos. Um interno, local, e depois um macro, do Estado. Você estimula o produtor não só a competir, mas o aprendizado. Essa tem sido outra ferramenta fantástica. 

Como esse trabalho estimula o turismo?

Turismo é uma outra pegada. Tem contribuído para tirar Caconde do anonimato. Temos um rio que corta o município e 40 mil pessoas já vieram para cá fazer rafting. Depois da pandemia, houve um investimento. Trouxeram uma marina e várias embarcações para cá. O pessoal ficou estimulado. Existe um trabalho junto a pesquisadores para avaliar a qualidade da água. São 616 propriedades já ao lado da represa. Cresceu absurdamente. Gira a lanchonete, gira a pizzaria. Para você ter uma ideia, a única pousada daqui não tem vaga para daqui a seis meses. Então, chegamos ao estágio em que estamos com problemas bons de desenvolvimento do município. Sem contar o turismo rural, que já está frequente aqui também. O pessoal vem visitar e vai criando essas conexões com quem produz. Porque 86% da cafeicultura do nosso país é feita por pequenos, e não podemos deixar perder esse fator socioeconômico. Por trás de uma xícara de café, quantas pessoas estão envolvidas? Isso precisa ser mais falado. 

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Apesar do café ser o principal produto, você também falou em leite, verduras. O município tem partido, também, para a diversificação?

Estamos buscando essa diversificação agora, inclusive pelo potencial que temos para a apicultura. Apresentamos a proposta e o Dr. Tirso [Meirelles, atual presidente da Faesp] disponibilizou para a gente uma ATG [Assistência Técnica e Gerencial], o que tem sido um diferencial. Então, daqui a pouquinho, teremos o mel regularizado como parte desse processo de diversificar a renda das pequenas propriedades. 

Quais os principais desafios que ainda existem? 

Eu acho que é a sucessão familiar, porque, à medida que a tecnologia avança, vão chegando novas profissões. Meus três filhos falam comigo que não querem a montanha. Minha filha de 14 anos fala que a dor que eu passei na montanha ela não quer. 

Quais as maiores lições dessa trajetória desde 2013 como presidente do sindicato?

Por 22 anos, o nosso sindicato ficou parado, por culpa nossa. Fomos negligentes, não éramos atuantes. Quando vim para cá, eram 54 sócios. Hoje, estamos com mais de 400. Então, percebemos que o que faz diferença é a organização.

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