Economia
Dólar no maior valor da história desafia o agro brasileiro
Recorde da moeda norte-americana estimula exportações, mas atrasa negociações de insumos agrícolas para a segunda safra de milho

Sabrina Nascimento | São Paulo
19/12/2024 - 10:08

A valorização do dólar frente ao real bateu um novo recorde nesta semana: fechou a quarta-feira, 18, a R$ 6,26 – alta diária de 2,82%. E ao longo do ano, os ganhos se acumulam: na semana, a valorização é de 3,85%; no mês o aumento chega a 4,44%, e no acumulado do ano, a alta é de 29,15%.
Essa depreciação da moeda brasileira frente à americana reflete o pessimismo do mercado financeiro com o pacote de corte de gastos enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional. Apesar dos parlamentares já terem começado a analisar a proposta, não há percepção entre os agentes financeiros de um controle do endividamento público.
Soma-se a esse quadro, a política fiscal nos Estados Unidos. O Federal Reserve, Banco Central norte-americano, decidiu cortar pela terceira vez consecutiva a taxa básica de juros do país em 0,25%, levando-a a um patamar entre 4,25% a 4,50% ao ano.
Conforme a consultoria Markestrat, a adoção de uma política monetária com juros mais baixos nos EUA tende a fortalecer ainda mais o dólar, tornando os investimentos nos mercados norte-americanos mais atraentes.
A consultoria alerta ainda para o risco de um conflito comercial entre os EUA e o Brasil. A preocupação surgiu no início da semana, após o presidente eleito Donald Trump afirmar que o Brasil tem altas taxas sobre produtos que importam de Washington e que seu governo vai “cobrar a mesma coisa”.
“Em um cenário de alta nos custos e inflação elevada, um embate comercial poderá colocar ainda mais pressão sobre a economia brasileira, afetando a competitividade das exportações”, destaca a Markestrat.
Efeito do dólar no mercado de soja
Com a valorização do dólar, os produtores brasileiros têm aproveitado para avançar com as vendas da oleaginosa. Segundo levantamento da Argus, até o fim de novembro deste ano, o ritmo da comercialização da safra 2024/25 alcançou cerca 33% de uma produção estimada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em 166,2 milhões de toneladas. Um pouco a frente do índice de 31% registrado há um ano, mas ainda abaixo da média dos últimos cinco anos para o período (37%).
De acordo com Nathalia Giannetti, especialista em agricultura da Argus, o ritmo não tem avançado tanto quanto poderia devido à época do ano. “A partir da segunda metade de novembro, muitas esmagadoras de soja começam a desacelerar suas compras e se preparam para férias coletivas e pausas de manutenção em suas unidades”, explica Giannetti.
Além disso, o mercado de exportação também costuma ter liquidez reduzida, uma vez que a China, maior importadora global de soja, concentra sua demanda nos EUA, que finalizou a colheita da safra 2024/25 recentemente. “O pico de vendas para o mercado de exportação costuma acontecer na primeira metade do ano”, afirma.
Um ponto de atenção ao efeito da variação cambial nas negociações de contratos futuros da soja está nos diferenciais portuários do grão — são aquelas negociações do mercado de exportação que ocorrem nos portos a partir de um prêmio ou desconto em relação aos futuros da Bolsa de Chicago. “É comum que as altas do dólar pressionem esses diferenciais”, diz Giannetti.
Nas últimas semanas, a especialista tem observado uma tendência de queda acentuada nos diferenciais portuários em decorrência da desvalorização do real e da pressão de uma safra brasileira recorde.
“Os prêmios de março e abril já se encontram em níveis negativos, ou seja, já se tornaram descontos em relação à Bolsa de Chicago”, observa Nathalia. Ela ressalta que quedas mais acentuadas são esperadas entre fevereiro e abril, período que coincide com o avanço da colheita no Brasil e há uma maior oferta de soja para negociação.
Compra de insumos
Os agricultores brasileiros seguem adiando a compra de insumos agrícolas para a segunda safra de milho. Esse cenário já era observado antes da disparada do dólar, entretanto, o movimento e as incertezas sobre a colheita da safra atual de soja, que pode impactar diretamente a janela de plantio do milho, contribuíram para a espera.
“A alta do dólar norte-americano pode reduzir o poder de compra de agricultores, caso os preços das commodities agrícolas não subam na mesma proporção ou caso os preços caiam”, pontua Renata Cardarelli, especialista de agricultura e fertilizante da Argus.
Cardarelli ressalta, no entanto, que a alta do dólar ainda não está refletindo de maneira intensa nos custos dos insumos importados. Os fertilizantes nitrogenados, por exemplo, registraram um aumento de US$ 3 por tonelada nos portos brasileiros nesta quarta-feira, 18, com traders elevando suas ofertas, impulsionados pela expectativa em relação a um leilão indiano de ureia. Já o preço dos fosfatados permanece firme em US$ 635 por toneladas desde setembro, mesmo em um período de entressafra de compras no Brasil. A baixa disponibilidade no mercado local tem sustentado os preços.
“A tendência é que os agricultores sigam avaliando o cenário global e a variação cambial para avançar com a venda da produção agrícola e com a compra de insumos via barter, principal forma de financiamento das safras brasileiras”, destaca Renata.
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