Fazenda Coatiara, em Itaí (SP), produz 16 variedades e também faz o processamento da fruta para venda congelada ou desidratada
A Fazenda Coatiara, em Itaí (SP), no sudoeste paulista, era uma das maiores produtoras de maracujá do estado até 2008, quando uma doença sem cura dizimou a plantação. Triste com a situação, Aureliano Pinto, dono da propriedade, decidiu vendê-la para o filho, Ricardo — que, por três anos, se dedicou a pesquisar qual seria o novo destino do lugar.
Em 2011, animado com os testes feitos nos dois anos anteriores, tomou a decisão: plantaria lichias. A primeira colheita foi em 2016, demonstrando que a aposta, que parecia inusitada, havia dado certo. Tanto que a fazenda se tornou a maior da América Latina no cultivo e processamento da fruta – que é originária da China. São 26 mil pés plantados em 113 hectares, sendo que 17 mil estão em produção. Do pomar, saem 16 variedades — metade em escala comercial.
A mais conhecida pelos brasileiros é Bengal, que ocupa a maior área da propriedade, com 11 mil árvores. Todas as variedades ganharam nomes fáceis de gravar, para que os clientes se acostumem rápido com cada uma. A própria Bengal é chamada de Clássica. Tem ainda a Coração, no formato do órgão humano, a Crocante, que tem polpa firme e não termina na primeira mastigada, a Fogo, de um alaranjado intenso com pintas vermelhas, a Gigante, a maior de todas, cerca de 25% maior que a Clássica, a Laranja, arredondada e com casca alaranjada, a Ouro, que, por ser a variedade mais tardia, é considerada uma joia, e a Tutti-Frutti, cujo sabor lembra o chiclete da infância.
Ricardo Pinto explica que a Bengal é a mais cultivada por ser mais produtiva. Enquanto ela tem cachos com até 30 frutos, outras “dão quatro ou cinco”. Segundo ele, a safra é curta — apenas de novembro a janeiro. Por causa disso, ficou muito associada, no Brasil, à época do Natal.
Camila Boni, filha de Ricardo e diretora comercial da Britchis, empresa que surgiu na propriedade para processar a fruta, explica que a lichia precisa ser colhida madura. Por isso, a temporada não pode ser prolongada.
Visando mudar esse cenário, a fazenda desenvolveu estratégias para fornecer a fruta o ano todo e aumentar o contato dos consumidores com ela. A principal mudança veio em 2018, quando, após uma safra significativa, a família decidiu encerrar as vendas que eram feitas a uma central de distribuição e entrar direto nos supermercados — o que tornou a classificação das frutas mais rigorosa. Com isso, 15% da produção, que não se enquadrava nos padrões de mercado, ficou sem uso.
Para evitar perdas, a ideia foi construir uma agroindústria dentro da fazenda. Ricardo e a esposa, Adriana, visitaram um produtor no sul de Minas, que fazia, de forma artesanal, uma lichia desidratada. Estava aí uma estratégia para preservar a fruta por mais tempo e oferecer em outras épocas, para além das festas natalinas.
Depois, vieram outros produtos. Em 2019, uma parceria com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), em Campinas (SP), permitiu montar um packing house com cozinha industrial e estrutura para congelar 150 quilos de lichia em uma hora, além de mantê-la conservada o ano todo. Já em 2020, foi construída a fábrica de lichia desidratada, cujo primeiro lote ficou pronto no ano seguinte. Camila Boni explica que a fruta fresca tem durabilidade de cinco a sete dias, enquanto a desidratada mantém a qualidade por até dois anos. Depois, vieram, também, a lichia liofilizada, uma aguardente, em parceria com um alambique, e o mel de lichia.
Esses produtos foram apresentados pela Britchis em estande do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) durante a Agrishow, maior feira de tecnologia agrícola da América Latina, realizada de 28 de abril a 2 de maio em Ribeirão Preto (SP).
As lichieiras plantadas na fazenda são provenientes da China, da Índia, da Austrália, das Ilhas Maurício e dos Estados Unidos. A cultura é bianual, como o café. Na última safra, a fazenda colheu 500 toneladas, enquanto a anterior foi de 60. Metade do volume é exportado na forma congelada. Os embarques começaram há dois anos, para França, Inglaterra, Canadá, Holanda, Espanha, República Tcheca e Alemanha. No ano passado, a Coatiara respondeu por 49% de toda a lichia vendida pelo Brasil ao mercado externo.
Para dar conta da demanda, a família, que, no início da produção, comprava mudas, passou a produzir as próprias, a partir de galhos vivos das árvores já crescidas. Ricardo explica que isso altera, de maneira significativa, o ciclo da planta. “Mudas produzidas a partir de sementes demoram até 12 anos para dar os primeiros frutos. Já as que são oriundas de uma árvore-mãe começam a produzir em quatro anos, em média”, afirma.
Além dos esforços voltados a exportação, a empresa mantém um e-commerce, para fornecer diretamente aos interessados. Com isso, espera ampliar a divulgação das variedades que os brasileiros ainda não conhecem. “Produzimos 16, mas o mundo tem mais de 200 tipos de lichia, com sabores muito diferentes esperando para serem explorados”, conclui Ricardo.