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Cientistas criam bioplástico mais resistente com resíduos de laranja

Pesquisa desenvolvida em SP aponta caminhos para aproveitar descarte da indústria da laranja e reduzir dependência de plásticos derivados de petróleo

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) encontraram em resíduos de laranja uma solução para criar plásticos biodegradáveis mais resistentes. O estudo, desenvolvido na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), obteve um pó a partir da casca, do albedo (parte branca da casca), das sementes e das membranas da fruta, que serviu como reforço ao alginato de sódio — um composto extraído das paredes celulares de algas marinhas marrons. 

Os experimentos foram realizados durante a pesquisa de mestrado em Ciências e Engenharia de Materiais de Pedro Henrique Bezerra, orientado pela professora Fernanda Vanin. Bezerra explica que o uso do alginato de sódio na produção de plásticos biodegradáveis é bastante comum, mas a substância apresenta deficiências, como baixa resistência e grande afinidade com a água, característica que o faz se desmanchar com facilidade. 

A ideia, a partir dessas observações, era conseguir um material que, ao ser combinado com o alginato de potássio, resultasse em um bioplástico mais firme. A primeira proposta foi testar a batata, mas as partículas dela, por serem muito espaçadas, não entregavam o resultado esperado. Bezerra recorreu, então, à laranja, pela quantidade de fibras contidas na fruta, especialmente a pectina — conhecida na indústria por sua propriedade espessante. 

Os resíduos da laranja, cedidos para a pesquisa por um comércio local de Pirassununga (SP), foram, primeiramente, higienizados, depois passaram por secagem em estufa, foram triturados e tiveram o tamanho dos grânulos padronizado. Segundo Bezerra, os testes demonstraram que, conforme eram aumentadas as concentrações do resíduo em pó, chamado de OBP (sigla em inglês para pó de subproduto de laranja), melhor era a resistência térmica apresentada pelo bioplástico.

Um destino para os resíduos da indústria

No laboratório da USP, resíduos foram processados e deram origem a um pó, chamado de OBP | Foto: Pedro Bezerra/Arquivo Pessoal

A Organização Bioplásticos Europeus (European Bioplastics) estima que, até 2028, a produção de plásticos biodegradáveis vai chegar a 7,43 milhões de toneladas em todo o mundo. Além de possibilitar aumentar esse número e reduzir, dessa forma, a poluição provocada por derivados de petróleo no planeta — de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), apenas 9% das 430 milhões de toneladas de plásticos convencionais colocadas anualmente no mercado são recicladas —, os pesquisadores afirmam que a pesquisa pode contribuir para dar um destino aos resíduos gerados pelas indústrias de suco de laranja no Brasil. 

Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a safra brasileira de laranja 2025/2026 deve atingir 320 milhões de caixas de 40,8 kg. O território paulista, que responde por 75% a 80% da produção nacional, com a maior parte da fruta voltada à indústria de suco para exportação, seria o maior beneficiado com o reaproveitamento de partes da laranja que, geralmente, são descartadas. Apesar do potencial para se transformar em complemento de rações animais, adubo e até para a extração de óleos essenciais para a fabricação de cosméticos, a maior parte dos resíduos ainda vai para o lixo.  

“O país produz muitos resíduos de laranja. Existem muitos trabalhos com a casca da fruta, mas não com os resíduos totais, como nos propusemos nesta pesquisa”, afirma Bezerra. “Além do uso na produção de plásticos biodegradáveis, a formulação do pó que a gente obteve pode ser usada para outros fins, como a produção de biscoitos e pães, por causa de seus benefícios nutricionais”, explica Bezerra. 

Continuidade

A professa Fernanda Vanin, que coordena estudos com alimentos no Laboratório de Processamento de Pães e Massas — no caso da pesquisa de Bezerra, em parceria com o Centro Multiusuário de Funcionalidades de Macromoléculas —, afirma que experimentos da USP voltados aos bioplásticos terão sequência. 

Um dos objetivos é aprimorar, ainda mais, a resistência ao contato com a água. “Com os resíduos de laranja, a gente conseguiu melhorar um pouco, tornando o produto um pouco mais hidrofóbico, para que ele não se desmanche com tanta facilidade, mas ainda existe uma barreira em relação aos plásticos convencionais”, diz Fernanda. “Por enquanto, a gente tem que pensar em aplicações que não necessitem passar por essa barreira”. 

De acordo com a professora, o acréscimo de plastificantes hidrofóbicos será avaliado nas próximas etapas, bem como a aplicação de outros tipos de resíduos além dos de laranja. Com isso, os pesquisadores esperam ocupar, aos poucos, um lugar no mercado. Estão, inclusive, disponíveis para conversar com empresas interessadas em dar escala à tecnologia, o que permitiria reduzir os custos de produção, já que a concorrência com os plásticos de petróleo, que são muito baratos e rentáveis para a indústria, ainda é limitada. 

“Apesar de saber que os passos da ciência não são tão ágeis, eles são fundamentais ao nosso país. Se conseguirmos colaborar para estimular o uso de soluções mais sustentáveis, já vai ter valido muito a pena”, conclui a professora.