Critérios individuais de compra podem gerar burocracia, mais custos, risco de retaliação e perda de competitividade frente EUA e Argentina, prevê analista
As empresas exportadoras de soja brasileira devem continuar adotando critérios para restringir a compra do grão cultivado em áreas desmatadas no bioma Amazônia, mesmo após a suspensão da Moratória da Soja. Isso pode ocorrer porque a decisão da Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (SG/CADE) de investigar uma possível formação de cartel atinge apenas ações coletivas, como auditorias conjuntas e troca de informações entre tradings.
Ao Agro Estadão, o sócio da área de Agronegócio do VBSO Advogados, Marcelo Winter, disse que a medida do órgão antitruste não impede que cada companhia siga as suas próprias regras de compra. Com isso, a tendência é que as companhias mantenham, de forma isolada, as mesmas restrições já previstas pela Moratória da Soja, como a não aquisição da oleaginosa de áreas desmatadas após 2008 na Amazônia. “Ou seja, no curto prazo, não se vê um efeito prático ou prejudicial para a cadeia produtiva”, explicou o advogado.
Já Carlos Cogo, sócio-diretor da Cogo Inteligência, destaca que, com cada comprador adotando seus próprios critérios de compras, há um aumento da insegurança jurídica no campo. O que pode elevar a burocracia e aumentar os custos de adequação, especialmente para pequenos e médios produtores.
Outro ponto de atenção, segundo Cogo, volta-se aos mercados compradores. “Há também o risco de exclusão de mercados: quem não conseguir comprovar conformidade ambiental poderá perder acesso a clientes internacionais e ser obrigado a vender para destinos menos exigentes, muitas vezes com preços inferiores”, indica.
Além disso, há ainda o risco de barreiras comerciais. Destaca-se a entrada em vigor, no encerramento deste ano, da Regulamentação Europeia de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR). Para Cogo, sem um pacto coletivo que facilite a verificação, cada empresa terá de comprovar individualmente sua conformidade, o que pode gerar atrasos, custos adicionais e até embargos. “Além disso, concorrentes como Estados Unidos e Argentina podem explorar a decisão para enfraquecer a competitividade da soja brasileira em mercados mais exigentes”, argumenta.
Além dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, as opiniões de entidades representativas do agronegócio brasileiro sobre a suspensão da Moratória da Soja também são divergentes.
Durante um workshop à jornalistas nesta semana, o vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Ingo Plöger, avaliou que a decisão deve prejudicar a imagem do Brasil, ainda mais, por ter sido adotada alguns meses antes do país sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. “Mesmo que tenha fundamentos legais em relação à concorrência ou não, agrava [a imagem do Brasil] porque parece mostrar que a gente é leniente e deixa desmatar, o que não é fato”, disse. “Certo ou errado, com direito ou sem direito, vai prejudicar a imagem [do Brasil] e com os Estados Unidos nas nossas costas”, acrescentou o dirigente da Abag.
Do outro lado, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) avaliou a medida como um avanço importante na defesa dos interesses do setor agropecuário. A CNA lembra que o processo no SG/CADE foi iniciado a partir de representações feitas por quatro entidades: Câmara dos Deputados, Senado Federal, CNA e Aprosoja-MT.
“Apesar de apresentarem argumentos distintos, todas alegaram que a Moratória seria uma prática ilícita e deveria ser condenada. Mais recentemente, apenas a CNA solicitou a adoção de providências imediatas, alegando que há danos concretos aos produtores que não podem aguardar a tramitação do processo”, destacou. Para sustentar essa posição, a entidade apresentou um parecer econômico apontando prejuízos para o setor e para o país.
O sócio da área de Agronegócio do VBSO Advogados ressalta que a decisão da SG/CADE é apenas o início de um processo administrativo que pode levar anos até ser concluído, envolvendo coleta de provas, manifestações de partes interessadas e eventual julgamento no Tribunal Administrativo.
“Não é possível estimar a duração do processo… Além das associações que representam exportadores e indústrias, como a Abiove e a Anec, também estão em jogo as próprias tradings e empresas individuais. Todas poderão se manifestar, apresentar documentos e serem ouvidas, o que deve tornar a fase de coleta de provas extensa e detalhada”, detalhou.
Segundo o advogado, após essa fase, o caso pode ser suspenso ou seguir para o Tribunal Administrativo do CADE, onde haverá espaço para contraditório, defesa e, ao final, um julgamento que pode resultar em diferentes tipos de sanções.