Café ‘verde’ alia regeneração ambiental e valorização social
No maior Estado produtor de café do Brasil, Minas Gerais, a paisagem rural está mudando. Em várias propriedades, o solo já é “coberto”, inclusive nos corredores entre os pés de café. Isso proporciona maior disponibilidade de água e de biodiversidade e, de quebra, reduz a erosão, responsável pelo desgaste e empobrecimento do solo, processo que pode impactar a produtividade. Essa forma de manejo faz parte da chamada cafeicultura verde ou sustentável, prática que também é conhecida como cafeicultura regenerativa, conservativa e agroecológica. Segundo o agrônomo Marcelo Urtado, essa é uma forma de produção ambientalmente correta, economicamente viável e socialmente justa. “Apesar de debates ideológicos sobre diferenças nos termos, na prática a técnica é a mesma”, garante.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil deve fechar a safra 2023/24 com 54,79 milhões de sacas de café, das quais Minas Gerais deve responder por 51%. Além de liderar em volume, o Estado oferece diversos exemplos de que é possível entregar um produto que o mercado deseja, remunerando melhor, regenerando o solo e valorizando a saúde das pessoas. “Quando há possibilidade de aliar o que o mercado quer com o que você acredita, fica mais fácil de fazer e de comunicar”, afirmou o agrônomo, que apresentou o case Cafeicultura de Baixo Carbono e Regenerativa no Estadão Summit Agro.
Marcelo Urtado é um exemplo dessa agricultura que busca alinhar a produção de alimentos e energia às demandas climáticas. Até 2016, ele e sua esposa, Paula Curiacos, zootecnista, atuavam como consultores. Naquele ano, adquiriram a Fazenda Três Meninas, localizada entre Monte Carmelo e Patrocínio (MG) – e que foi batizada em homenagem a Paula e às duas filhas. “Para colocar em prática a agricultura em que acreditamos”, conta Urtado, cuja família tem raízes no café desde seus bisavós, imigrantes italianos que trabalhavam na colheita em terras paulistas. “A herança no café é resultado da paixão. E a fazenda, do suor.”
Sustentabilidade
Segundo Urtado, a sustentabilidade da cafeicultura depende de indicadores que comprovam que a produção é feita de acordo com as melhores práticas ambientais. “Há quem use o termo regenerativo sem realmente mudar sua abordagem”, afirma. A transformação começa com o solo sempre coberto, utilizando plantas nos corredores dos cafezais, aumentando assim a biodiversidade e favorecendo os inimigos naturais das pragas, além de garantir maior disponibilidade de água no solo.
A produção da fazenda, que colhe, em média, 2 mil sacas de café por ano e que tem planos de expansão nos próximos anos, segundo o agrônomo, conta também com estações meteorológicas para gestão hídrica e sensores que simulam folhas de café, ajudando na análise preditiva de doenças. Com isso, a propriedade registra um balanço negativo de carbono na atmosfera, sequestrando mais gases do que emite.
Urtado destaca que a aplicação dessas técnicas depende das características de cada propriedade. “Não é só copiar o que outros fazem. Minha sugestão é questionar, testar e adaptar”, diz. Ele reforça que a adoção de práticas sustentáveis é urgente. “A ciência já mostra os ganhos econômicos da sustentabilidade, mas há uma urgência ambiental. Se a mudança não for por amor, terá de ser pela dor.”
Segundo a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), cerca de 20% do café brasileiro é produzido de maneira sustentável. Já as exportações, de acordo com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), representaram 18,6% do total das vendas externas de café na safra de 2023/24, com expectativa de crescimento.
Em Minas Gerais, Roger Montanari e seu irmão Marcelo, quarta geração de cafeicultores, descobriram em 2021 que sua produção poderia alcançar mercados internacionais. Eles firmaram uma parceria com a Nespresso, do Grupo Nestlé, após uma visita de executivos suíços, ampliando o alcance de seu café.
Os irmãos Montanari passaram a plantar árvores entre os cafezais, substituindo o capim braquiária utilizado anteriormente. Em uma análise para medir o sequestro de carbono, ficaram surpresos ao constatar um balanço negativo. Desde então, intensificaram práticas que imitam o ambiente natural nas lavouras. Além de cultivar plantas de café mais resistentes a pragas, doenças e estresse hídrico, adotam fertilização orgânica – com compostagem e rochagem – e biológica, utilizando soluções produzidas em fábrica própria.
Há um ano, a Fazenda Rainha da Paz, em Patrocínio-MG, começou a receber turistas para conhecer a Rota do Café, em parceria com o Sebrae e o governo de Minas. Os visitantes aprendem sobre práticas de agricultura regenerativa e terminam a experiência com uma degustação de café.
Dois roteiros já estão disponíveis: o Tramonto, com degustação guiada de três tipos de café e um drink alcoólico, e o Buongiorno, que oferece café ao redor de uma mesa com quitandas mineiras. Uma terceira proposta em desenvolvimento é um happy hour com café, inspirado em experiências de vinícolas.
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