Instalação de plantio com gliricídia é mais econômica e gasta 50% menos água com irrigação, aponta estudo
Moída ou em grãos, a pimenta-do-reino forma um trio em muitas panelas Brasil afora, com a cebola e o alho. Por trás dessa especiaria, o que nem todo mundo sabe é que ela vem de uma planta trepadeira, ou seja, depende de tutor, de um guia, para poder se fixar e crescer. O que pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estudaram foi como a pimenteira se comporta tendo a gliricídia como um tutor vivo.
A gliricídia é uma árvore leguminosa de origem na América Central e no México. A pesquisa foi desenvolvida pela Embrapa Amazônia Oriental no nordeste do Pará. O estado é o segundo maior produtor de pimenta-do-reino — cerca de 38 mil toneladas em 2023, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Alguns produtores de lá já utilizam essa técnica de cultivo desde 2004. No entanto, não havia estudos que demonstrassem as diferenças entre os cultivos com tutores tradicionais e a gliricídia como tutor vivo.
O que os trabalhos demonstraram foi que as plantações de pimenta feitas com a leguminosa tiveram um desempenho melhor do que as que foram desenvolvidas com estacas de madeira — tutor tradicional. Os benefícios foram notados tanto nos custos como na qualidade da pimenta e com um efeito cascata na mitigação das emissões de gases do efeito estufa.
Como explica o analista da Embrapa Amazônia Oriental, João Paulo Bolth, o custo de implementação de um hectare de pimenta-do-reino cai 46% se utilizar a gliricídia como tutor. Isso porque o custo das estacas de madeira é maior do que o da planta tutora. A madeira utilizada para essa finalidade vem geralmente de árvores que tem um preço alto, como o acapu, massaranduba e jarana.
“O elevado preço das estacas de madeiras praticados no estado do Pará foi o principal fator para a diferença nesse custo de implantação. O preço da estaca de madeira chega a R$ 25,00 enquanto o valor mais alto encontrado para o tutor vivo de gliricídia foi R$ 5,00 a unidade”, disse o especialista. Enquanto com tutores tradicionais o custo é acima de R$ 59 mil por hectare, com a gliricídia esse valor cai para R$ 32 mil.
Outra despesa que cai é a da irrigação. As folhas da gliricídia ajudam a diminuir a evapotranspiração da pimenta-do-reino. Além disso, a biomassa da planta tutora ajuda a reter mais água no solo. O resultado é uma diminuição pela metade da quantidade de água necessária em comparação à forma de cultivo com estacas de madeira — de oito litros diários por planta para quatro litros. Isso se reflete no custo de energia também, já que os sistemas de irrigação dependem, na maioria, de energia elétrica.
“Em um cenário de mudanças climáticas com a redução de chuvas e ampliação dos períodos secos, essa diminuição na demanda hídrica sinaliza um ponto positivo de adaptação às mudanças do clima”, destacou o pesquisador da Embrapa, Oriel Lemos.
As podas da planta tutora ajudam na cobertura do solo e, com o tempo, se transformam em adubo orgânico. Além de que, por ser uma leguminosa, a gliricídia fixa nitrogênio no solo. Com isso, os pesquisadores também apontaram que houve uma redução de 30% no uso de fertilizantes químicos.
Entre os parâmetros para se avaliar a qualidade da pimenta-do-reino está a densidade, ou seja, o peso. Basicamente, quanto mais pesado o grão, mais o produto vale. Isso impacta, por exemplo, em classificar se a pimenta vai ou não para exportação. O que a pesquisa demonstrou foi que as pimentas produzidas no sistema de cultivo com tutor vivo têm melhores desempenhos. “Os grãos produzidos nesse sistema são frequentemente maiores e, portanto, com maior densidade”, pontuou o analista da Embrapa.
Outro aspecto é o nível de piperina, uma substância bioativa predominante na pimenta-do-reino. Ela é a responsável pelo ardor da pimenta. Segundo a pesquisa, em média, o teor de piperina nas pimentas cultivadas com a gliricídia é 14% maior do que as pimentas cultivadas tradicionalmente.
O sistema de cultivo de pimenta-do-reino com tutor vivo será uma das apresentações da Embrapa na Jornada do Clima, que acontece durante a 30º Edição da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima — a COP 30, que ocorre em Belém (PA), entre 10 e 21 de novembro deste ano.
A ideia é demonstrar que é possível produzir a especiaria adotando práticas mais sustentáveis. Além do sequestro de carbono, diminuindo a presença de gás do efeito estufa na atmosfera, o pesquisador Lemos também destaca outro benefício. “Uma das importantes contribuições desse sistema também é a conservação de recursos florestais, uma vez que o tutor vivo diminui a dependência de madeira comercial para as estacas e, consequentemente, a manutenção da biodiversidade local”, disse.