Especialistas explicam os riscos da aplicação indiscriminada na criação de aves e suínos, e as estratégias para manter a segurança alimentar
O uso de antimicrobianos na produção de carnes é um tema que ganha cada vez mais atenção global. O estímulo para as discussões parte do aumento da resistência bacteriana. No Brasil, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) acompanha o assunto de perto. Inclusive, a entidade lançou recentemente uma campanha visando ao uso consciente desses produtos, principalmente dos antibióticos usados para tratar e prevenir infecções bacterianas em animais.
Em conversa com o Agro Estadão, a diretora técnica da ABPA, Sula Alves, explicou que, em função da resistência antimicrobiana que tem sido notadamente aumentada no mundo todo, foi mapeada a necessidade de chamar a atenção de todos os que atuam no setor para o que ela chama de “uso prudente”.
“Não temos como abrir mão do uso terapêutico, por exemplo, mas a gente tem que buscar evitar usar antibióticos de maneira geral… É importante usar de maneira prudente na produção animal e até quando se fala em medicina humana”, destacou, ressaltando que o uso excessivo de antimicrobianos pode acelerar a resistência natural das bactérias.
Os antimicrobianos são substâncias utilizadas para combater microrganismos, como bactérias, fungos, vírus e parasitas. Dentro desse grupo, estão os antibióticos, que atuam especificamente contra bactérias. No Brasil, atualmente, o uso de antimicrobianos em produções comerciais de aves e suínos é separado em quatro finalidades principais:
No caso do uso para melhoramento de desempenho, a pesquisadora Clarissa Vaz, da Embrapa Aves e Suínos, esclarece que esse tipo de prática busca otimizar a eficiência produtiva. No entanto, o uso prolongado e em doses subterapêuticas estimula a resistência bacteriana, levando risco à produção. “As bactérias querem sobreviver e elas vão aprendendo a se proteger desse antibiótico e se tornando resistentes”, explica.
Quando há necessidade do uso de medicamentos, o setor segue o chamado período de carência, que interrompe a utilização do antibiótico em um período determinado antes do abate do animal. Isso garante que o alimento chegue ao consumidor sem resíduos. “Quando o medicamento é utilizado, ele tem que ser retirado antes do alimento ser colocado para consumo, e a gente tem esse controle justamente para garantir a segurança alimentar”, ressalta a diretora da ABPA.
De acordo com Sula, o País tem feito uma produção racional, com controle de resíduos e contaminantes, tanto por monitorias oficiais quanto por exigências dos países importadores.
Entretanto, de acordo com a pesquisadora, o setor tem investido cada vez mais em alternativas ao uso de antimicrobianos. Uma das principais estratégias adotadas é a biosseguridade – um conjunto de medidas que evita a entrada de agentes causadores de doenças nas granjas. “Hoje em dia, dificilmente um visitante consegue entrar em uma granja, justamente para reduzir o risco de levar patógenos por meio das roupas, calçados ou até pela pele e mucosas”, detalha Vaz.
Outras ações preventivas incluem o uso de probióticos, prebióticos, fitogênicos, ácidos orgânicos e enzimas, que contribuem para o equilíbrio intestinal e o desempenho produtivo dos animais. Assim, evita-se o uso de antibióticos. “São uma série de produtos que não são antibióticos, mas trazem benefícios nessa eficiência produtiva dos animais”, salienta.
A pesquisadora destaca ainda que a vacinação também é um pilar importante. Segundo ela, as doenças mais comuns na produção de aves e suínos podem ser prevenidas com vacinas específicas, aplicadas de acordo com a prevalência regional de cada enfermidade. “Não há por que vacinar contra uma doença que não ocorre em determinada região, mas sim focar naquelas mais frequentes localmente. […] Na região Sul, eu posso ter uma prevalência, por exemplo, de doenças respiratórias diferente do que eu tenho na região Centro-Oeste do País”, aponta.
Visando esses aspectos, a ABPA estruturou suas ações para o uso consciente de antimicrobianos em quatro pilares: conscientização, prevenção, educação e valorização.
Conforme a dirigente da entidade, o primeiro pilar, de conscientização, busca dar visibilidade ao tema da resistência antimicrobiana e engajar todos os elos da cadeia na adoção de boas práticas produtivas, enquanto o segundo, de prevenção, reforça medidas como biosseguridade, bem-estar animal, vacinação e manejo adequado, reduzindo a necessidade do uso de antibióticos.
A educação e a informação contínua entram como terceiro pilar, promovendo a capacitação de técnicos, veterinários e produtores por meio da iniciativa denominada “Academia ABPA”. Já o quarto pilar, de valorização, buscará reconhecer as boas práticas e estimular a pesquisa e o desenvolvimento de soluções inovadoras. “Com a campanha, a gente dá um holofote para o tema resistência antimicrobiana, e ressalta a importância de todos estarem engajados nesse tema”, disse Alves.
As ações da ABPA estão alinhadas ao conceito de “Uma Só Saúde” (One Health), que integra a saúde humana, animal e ambiental, e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas.