Inovação
Contra a seca: startup aposta em produtos à base da biodiversidade brasileira
Em fase de desenvolvimento, biológicos de nova geração devem ser lançados em até 5 anos; expectativa é de maior resistência à seca e melhor produtividade

Rafael Bruno | São Paulo | rafael.bruno@estadao.com
13/09/2024 - 08:30

O Brasil passa atualmente pela seca mais severa da história e, de olho neste cenário, empresas têm investido em tecnologia para minimizar os efeitos da escassez de água ou diminuir o uso nas plantações.
“O agronegócio depende das chuvas, cujos padrões foram fortemente afetados pelas mudanças climáticas. As variações refletem também na vulnerabilidade a pragas e doenças. Por isso, a busca por soluções para que a produção de alimentos seja mais resistente e utilize menos água é uma das prioridades na biotecnologia aplicada ao setor”, afirma Rafael de Souza, doutor em Biologia Molecular, Genética e Bioinformática, e cofundador da startup Symbiomics.
A empresa de Rafael é uma das que estão investindo em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias aplicadas às culturas agrícolas para solucionar o problema da falta de água. Os produtos ainda estão em fase de desenvolvimento e validação, com previsão de lançamento nos próximos cinco anos.
Uma dessas soluções são os bioestimulantes, que, segundo a empresa, podem melhorar a saúde e a resiliência vegetal contra a seca, calor e outras condições climáticas extremas.
“Nossas soluções têm um potencial essencial na adaptação das plantas às condições extremas do ambiente, como calor excessivo”, explica o empreendedor.
Segundo ele, dados preliminares mostram que, em certas condições de seca, é possível reduzir as perdas em até 30% ou mais. “Esses microrganismos ajudam as plantas a lidar com o estresse hídrico, promovendo uma maior resiliência em condições adversas”, diz Souza.
Para Rafael, o diferencial do trabalho que vem desenvolvendo está no uso da biodiversidade microbiana. “Com o objetivo de promover o aumento sustentável da produtividade agrícola, a Symbiomics investiga a rica biodiversidade brasileira em busca de microrganismos benéficos. Uma coleção de mais de 10 mil microrganismos, muitos deles novos e com grande potencial, temos em mãos uma fonte promissora para o desenvolvimento de tecnologias disruptivas para a agricultura e outros setores”, enfatiza ao Agro Estadão.
O desenvolvimento dos chamados biológicos de nova geração, ou seja, produtos biológicos criados com novas tecnologias, teve início em 2022, quando a Startup foi fundada. “Desde então, estamos criando e validando um portfólio inovador com novos microrganismos”, comenta o co-fundador da empresa, destacando a importância dos avanços científicos.
“A pesquisa precisa ser constante. Nos últimos anos, o uso de tecnologias avançadas de sequenciamento e análise de dados revelou que a diversidade de microrganismos nos mais diversos ambientes é muito maior do que se imaginava. Existem inúmeros grupos de microrganismos com potencial ainda inexplorado para aplicação na agricultura e outros setores“, afirma o doutor em biologia molecular.
Embora os avanços científicos sejam significativos, de acordo com o especialista, muito desse conhecimento ainda não foi transformado em produtos comerciais, o que representa uma grande oportunidade para soluções disruptivas.
“Hoje, a maioria dos produtos biológicos no mercado ainda se baseia em abordagens tradicionais, sem incorporar as novas tecnologias disponíveis. Para se ter uma ideia, nos últimos anos foram registrados no país mais de 400 produtos biológicos, dos quais a maioria é composta por pouco mais de 15 cepas microbianas diferentes. Ou seja, muitos produtos parecidos, havendo espaço para inovação” explica Rafael.
Ele também destaca que entre seus objetivos está a mudança deste cenário, traduzindo o que há de mais recente nas pesquisas científicas em produtos disruptivos para a agricultura. “Com uma agricultura tão diversa quanto a do Brasil, o desenvolvimento de novas tecnologias deve acompanhar essa complexidade, e acreditamos que a inovação e a pesquisa contínua são essenciais para enfrentar os grandes desafios do setor”, conclui.
Plantas geneticamente modificadas
Pioneiro na área de biologia molecular e genômica de plantas no Brasil, professor da Universidade Estadual de Campinas – onde coordena o Centro de Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas -, Paulo Arruda não só integra, mas ajudou a fundar uma startup que promete levar soluções para a agricultura do futuro, especialmente frente às mudanças do clima, a InEdita Bio.
Entre os destaque da empresa, o uso da biotecnologia para criar plantas editadas geneticamente para garantir uma produção mais sustentável de alimentos e melhor resiliência das culturas aos efeitos climáticos.
“A produção sustentável de alimentos, a nível global, depende do desenvolvimento de plantas mais produtivas e que utilizam menos água, menos fertilizantes químicos e menos pesticidas. A biotecnologia tem um papel crucial nesse desafio. O Brasil possui cientistas com expertise suficiente para dar grande contribuição nessa imensa tarefa. Empresas dedicadas à inovação com financiamento robusto das instituições públicas e privadas são cruciais nesse processo”, diz Arruda ao Agro Estadão.
Fundada em fevereiro de 2022, a startup InEdita Bio ainda está em fase de descoberta de genes. “Até o momento desenvolvemos plataformas disruptivas e proprietárias para o desenvolvimento de plantas resistentes e resilientes a pragas, doenças e temperaturas, além de mais eficientes na aquisição de nutrientes” comenta o co-fundador.
Entre os exemplos de melhoramentos genéticos já utilizados no Brasil, o especialista cita o trigo transgênico. “No geral, os programas de melhoramento, sobretudo das grande culturas, selecionam variedades e híbridos com maior resiliência aos estresses abióticos em geral, incluindo a seca. Quanto a produtos da biotecnologia, foi aprovada pela CTNBio [Comissão Técnica Nacional de Biossegurança] o plantio e a comercialização de trigo transgênico produzido pela inserção [no genoma do trigo] de um gene de girassol que confere maior tolerância a seca”, conclui o especialista, citando a tecnologia produzida pela empresa argentina Bioceres.
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