Gente
Sucessão familiar rural: entenda o que significa, as formas e a importância de fazer o quanto antes
Especialista dá dicas sobre o tema e elenca principais mecanismos para fazer uma sucessão familiar rural bem sucedida
9 minutos de leitura 26/07/2024 - 08:15
Daumildo Júnior | Brasília | daumildo.junior@estadao.com
O Censo Agro 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstrou que a maior parte das propriedades está sendo comandada por produtores com idade superior a 45 anos. Com uma população que caminha para o envelhecimento e a representatividade econômica do agronegócio, que corresponde a aproximadamente 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, o tema da sucessão familiar rural também ganha urgência.
O Agro Estadão procurou um especialista neste assunto para esclarecer algumas dúvidas e entender as principais formas de fazer uma sucessão familiar rural bem sucedida e planejada. O advogado da LO Baptista, Ulisses Simões, enfatizou o papel de um bom planejamento sucessório e ressaltou a importância do fator tempo nessa dinâmica.
“Uma das dicas é de que esse seja um tema tratado muito antes da pessoa falecer. A ideia é que o líder desse negócio olhe para isso antes de um evento, ainda com plenitude física e mental, e, principalmente, num contexto de consenso familiar”, pontua o advogado
O que é sucessão familiar?
Esse é um processo que envolve ações e medidas para otimizar a gestão de um patrimônio de uma família e facilitar a transmissão desses bens para outros entes da família a partir do falecimento de um dos membros. Essa organização requer o que se chama de planejamento sucessório, que nada mais é do que um plano para “repassar o bastão” de um negócio, caso o patrimônio envolva uma empresa, por exemplo.
“Eu diria que a sucessão consiste na ideia de profissionalização e para estabelecimento de ferramentas para otimização da transmissão dos bens quando do falecimento de um dos familiares”, conceitua Simões.
Esse tipo de medida é previsto na legislação e tem alguns mecanismos que podem ser feitos para fazer essa transição. Entre as vantagens da sucessão familiar bem planejada está uma administração conjunta da família sobre o patrimônio e a redução de possíveis litígios no momento do falecimento – para uma melhor fluidez na hora da produção de um inventário.
O que é sucessão no campo?
A sucessão no campo ou sucessão rural é uma sucessão familiar, porém o patrimônio é uma propriedade ou negócio rural. Também segue a mesma lógica de outros tipos de sucessão, como em uma empresa. A diferença é que esse tipo de atividade não pode parar. Por exemplo, tirar leite ou fazer uma colheita são trabalhos que não podem esperar o término de um processo de inventário, como lembra o advogado.
Ele acrescenta a isso uma característica que ainda persiste em muitas propriedades familiares rurais. “Uma das particularidades é que, apesar da crescente modernização, a gente ainda vê uma realidade em que muitas fazendas, negócios rurais, se dão estritamente no âmbito familiar, são muito personalíssimos, e muitas vezes isso pode gerar algumas dificuldades no seguimento do negócio”, afirma Simões. “Poucos negócios conseguem chegar até a segunda geração e menos ainda chegam na terceira geração”, conclui.
Como funciona o processo de sucessão familiar rural?
Como lembra o especialista, a lei determina a sucessão dos bens, porém há dois tipos: sucessão não planejada ou planejada. Quando não há essa predefinição antes da morte do ente familiar, as regras que são seguidas estão previstas no Código Civil brasileiro.
Sucessão não planejada
Basicamente, a lei estabelece regras gerais para estes casos em que não há um planejamento prévio. Na hipótese mais comum, é feita uma listagem dos bens com seus respectivos valores e uma parte fica com um dos cônjuges, respeitando o regime de união firmado no casamento, e o restante é dividido igualmente entre os herdeiros diretos, no caso filhos ou netos (se os filhos também tiverem falecido). A ordem hereditária da transmissão de bens está prevista no artigo 1.829 do Código Civil. A lei não determina o que vai para cada um dos herdeiros.
“Nesse caso, você não considera a característica de cada herdeiro em relação aquele negócio. No exemplo de uma propriedade rural, muitas vezes é necessário vender a propriedade para transformar em dinheiro e dividir em partes iguais, o que prejudica a atividade rural”, complementa Simões.
Curiosidade: caso o falecido não tenha nenhum parente para receber a herança e nem mesmo deixou a determinação do encaminhamento dos bens, esse patrimônio é destinado para o Estado, ao poder público. Isso recebe o nome de herança jacente ou herança vacante.
Sucessão planejada
O advogado explica que há uma série de mecanismos, desde os mais simples até os mais sofisticados, para fazer essa sucessão planejada. Abaixo são elencados os principais e mais utilizados. No entanto, uma dica é procurar uma consultoria jurídica e contábil para ver o que melhor se encaixa dentro das particularidades de cada família e patrimônio rural.
Outro ponto importante é que cada pessoa tem o direito de dispor de 50% do seu patrimônio da forma como entender ser melhor. Os outros 50% devem ser destinados obrigatoriamente aos herdeiros. Isso é relevante na hora de traçar as estratégias de transmissão de bens e patrimônios, já que não necessariamente a pessoa precisa falecer para que o herdeiro receba a parte que lhe cabe da divisão patrimonial.
Testamento
Essa é considerada pelo especialista a forma mais simples e prática de planejar a transferência patrimonial rural. Na prática, a pessoa deixa uma indicação do que espera que cada herdeiro receba após o falecimento. Esse documento não precisa ser feito ou registrado em cartório de notas, porém, Simões reitera que há um peso maior desse documento registrado em caso de alguma disputa judicial pós-morte.
Quando feito com uma assessoria jurídica, esses documentos trazem muitas hipóteses, pois uma vez firmado o testamento ele não precisa ser modificado todos os anos, o que evita pagamentos de taxas de cartório previstos para esta documentação.
É o mais simples dos mecanismos, porque apenas indica o que irá para cada herdeiro e não poupa os herdeiros dos encargos com inventário após o falecimento da pessoa.
Doação
Essa forma é menos simples do que a anterior e tem encargos mais caros também, como a incidência do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD) – alíquota máxima é de 8%, sendo definida por estado. Neste caso, ainda em vida, o familiar doa o patrimônio, muitas vezes o imóvel rural.
Porém, o que acontece normalmente é que algumas cláusulas são adicionadas a este contrato de transmissão. Um exemplo é o usufruto da propriedade, ou seja, o familiar pode usufruir das riquezas geradas na propriedade enquanto estiver vivo. Outro dispositivo que costuma ser incluído é a restrição de venda, que determina que a venda desse imóvel rural seja feita apenas após o falecimento do familiar que fez a doação.
Pessoa Jurídica
No caso de famílias que tenham propriedades muito grandes ou em diversos locais ou até mesmo uma agroindústria, o mecanismo de transferir os bens para um CNPJ pode ser mais interessante. Neste caso, há um processo de transformar esse patrimônio em uma empresa antes mesmo de fazer a transferência aos herdeiros.
Além de algumas vantagens fiscais que o negócio pode ganhar, por ser uma empresa, esse repasse é feito também por doação, mas do direito acionário sobre o negócio, ou seja, das cotas de participação. Assim como uma doação entre pessoas físicas, também é permitido estabelecer dispositivos como o usufruto ou o direito de continuar administrando o negócio mesmo após a transição das ações.
“A pessoa pode incorporar o patrimônio agrícola dentro de uma empresa e dentro dessa empresa ela pode estabelecer as ferramentas de como ela quer que aquela atividade seja conduzida nas próximas gerações. Uma das possibilidades é, inclusive, a família optar por trazer um administrador de fora e a família ficar usufruindo dos lucros”, sintetiza Simões.
Holding Rural
Uma holding rural segue a mesma lógica do mecanismo anterior. O que muda é a escala. Uma holding é uma empresa que detém as ações de outras empresas, ou seja, ela administra outros negócios. Nesta forma de sucessão, o que será repassado aos herdeiros também são as participações acionárias.
Quais bens entram em uma sucessão rural?
O especialista explica que todos os bens que existem em uma propriedade rural podem entrar na sucessão familiar, ou seja, estão sujeitos a destinação por meio de um dos mecanismos citados anteriormente. Os principais são:
- imóvel rural;
- maquinários e equipamentos;
- benfeitorias feitas na fazenda (uma casa ou curral, por exemplo);
- animais ligados à produção (bovinos, equinos, suínos entre outros);
- insumos ou produtos e materiais armazenados.
Dicas para uma sucessão familiar rural bem sucedida
O advogado Ulisses Simões também deu algumas dicas para iniciar esse processo.
- Quanto antes melhor: a sucessão familiar deve ser pensada o quanto antes. Simões ressalta que hoje há um tabu sobre o tema, mas quanto antes se tratar desse assunto internamente, melhor será para a família.
- Buscar um contexto de harmonia: o momento da divisão dos bens de um falecido pode gerar disputas dentro da família, por isso, tratar da sucessão enquanto a pessoa ainda está viva traz mais consenso sobre a decisão e evita brigas familiares e até judicialização de heranças.
- Procurar ajuda: como cada família tem especificidades, uma assessoria jurídica pode tornar o processo mais fácil, ágil e barato. O especialista recomenda que antes de iniciar com qualquer um dos mecanismos, é bom ter esse acompanhamento.
- Revisão e estratégia: após essas etapas, é preciso analisar e fazer um diagnóstico dos bens e da família, o que passa também por ver a aptidão dos herdeiros para o negócio rural. Essa análise facilitará na tomada das estratégias de sucessão que cada família decidirá.
Siga o Agro Estadão no Google News e fique bem informado sobre as notícias do campo.
Newsletter
Acorde
bem informado
com as
notícias do campo
Mais lidas de Gente
1
Governo paga nesta segunda Auxílio Extraordinário a pescadores da região Norte; confira a lista das cidades beneficiadas
2
O cacau virou paixão e fez de produtor referência no sul baiano
3
TMG investe em pesquisas e avança no mercado internacional
4
100 anos de soja no Brasil
5
Começa em São Paulo o Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio
6
Mecânicos de MG e RS vencem o Master Mechanic
PUBLICIDADE
Notícias Relacionadas
Gente
Com recursos do CrediturSP, São Paulo vai investir em rota do café e turismo rural
Programa de incentivo ao crédito para turismo recebeu aporte de R$ 2 bilhões; projetos de lazer no campo devem ser lançados em dezembro
Gente
100 anos de soja no Brasil
Pastor trouxe sementes de soja dos EUA em uma garrafa; hoje, o grão se espalha por 45 milhões de hectares no país
Gente
Mecânicos de MG e RS vencem o Master Mechanic
Reality show da Massey Ferguson mostrou disputa pelo melhor mecânico agrícola do país
Gente
O cacau virou paixão e fez de produtor referência no sul baiano
Conheça a história de Rodrigo Costa de Araújo, que investe em sustentabilidade e planeja diversificação na produção de cacau e marca própria na indústria chocolateira
Começa em São Paulo o Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio
Edição deste ano contou com a participação da presidente da Embrapa e do ministro da Agricultura
TMG investe em pesquisas e avança no mercado internacional
Empresa de melhoramento genético planeja liderança no mercado do algodão e estreia no milho mirando potencial do grão
Governo paga nesta segunda Auxílio Extraordinário a pescadores da região Norte; confira a lista das cidades beneficiadas
Ao todo, 148 mil pescadores artesanais de 115 cidades receberão o valor
Agricultores do RS: “crédito do BNDES acabou no primeiro dia”
Farsul pede mudanças ao Mapa e senadores querem convocar ministros para falar sobre as medidas de ajuda a agricultores gaúchos