Em audiência na Câmara, especialistas alertam para os riscos sanitários e deputados pedem menos burocracia e autonomia dos Estados
A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CRA) da Câmara dos Deputados realizou nesta quarta-feira, 27, uma audiência pública para debater o avanço da população de javalis no Brasil. O encontro, que partiu de uma requisição do deputado Pezenti (MDB-SC), reuniu parlamentares, produtores rurais, pesquisadores da Embrapa e universidades, além de associações de caçadores.
O javali, como espécie exótica invasora, tem seu controle populacional autorizado pelo Ibama por meio de normativas específicas. Para realizar esse controle, é necessário obter autorização e registro como controlador. São Paulo, até o momento, é o único estado que definiu, por lei, diretrizes para o controle e erradicação do javali no estado.
O debate expôs divergências. Parlamentares e produtores pressionaram por menos entraves e mais autonomia local. Já pesquisadores e entidades de proteção animal pediram cautela, destacando riscos sanitários e ambientais. Todos concordaram, no entanto, que a população de javalis cresce sem controle e ameaça o agronegócio, a biodiversidade e a saúde pública.
Pesquisadores chamaram atenção para a escala do problema. Paulo Bezerra, pesquisador do NPC (Núcleo de Pesquisa e Conservação da Fauna), afirmou que os números oficiais estão subestimados. Segundo ele, os dados mais recentes do Ibama apontam para 1,183 milhão de javalis abatidos até 2024. Os dados, autodeclaratórios, são a única fonte de informações sobre esses animais.
Ele explicou, baseado em questionários aplicados junto aos caçadores, e considerando caçadas autorizadas e informais, a estimativa é que mais de 6,5 milhões de animais tenham sido abatidos até o ano passado. Uma das sugestões apresentadas pelo especialista é priorizar abates de fêmeas, a fim de frear a reposição da população.
Altamente adaptáveis, os javalis possuem uma taxa reprodutiva elevada. Vivem em grupos e têm hábitos noturnos, dificultando sua observação direta. “Nós começamos com milhares [de javalis], passamos para milhões, vamos passar para dezenas de milhões, vamos passar para centenas de milhões, e quando chegar na Amazônia acabou, não tem controle”, disse, ao mostrar o avanço dos animais pelo país.
Representando o Ibama, a diretora do Uso Sustentável de Biodiversidade e Florestas, Lívia Karina Martins, destacou que o órgão já trabalha no desenvolvimento de um novo sistema informatizado, com apoio orçamentário via emenda parlamentar, para agilizar a concessão de autorizações e dar maior rastreabilidade ao processo. Segundo ela, o órgão reconhece os javalis como uma espécie invasora”. “Não há o que se falar em não existir controle, ou não há o que se falar em não erradicar a espécie aqui no Brasil”, afirmou.
O presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), defendeu a desburocratização do controle. “Nos Estados Unidos a caça é liberada e o manejo funciona. O produtor precisa ter o direito de proteger sua lavoura. Os estados têm condição de autorizar e fiscalizar.”
O avanço dos animais preocupa produtores. O presidente do Sindicato Rural de Sacramento (MG), Osny Zago, representante da CNA e da Faemg/Senar, afirmou que o Brasil está “dez anos atrasado” no enfrentamento. “A reprodução é geométrica. Os controladores fazem um trabalho importante, mas totalmente insuficiente.
“Para cada javali abatido, nascem dez”, disse. Ele defendeu investimentos em pesquisas para métodos de esterilização, como um hormônio que possa ser misturado em meio a ração em cochos.
Além das destruições em lavouras, nascentes e ameaça a espécies nativas, os parlamentares também relataram riscos à população, nas rodovias e no campo. “O javali ataca cavalo e gente. Há casos de famílias impedidas de passear no campo. Além disso, manadas de cem ou duzentos animais estão destruindo lavouras e já alcançam perímetros urbanos”, disse o deputado Silvio Girardi.
A preocupação sanitária foi reforçada pelo deputado Zé Trovão (PL-SC), que destacou o risco de entrada da peste suína africana, doença altamente contagiosa que poderia comprometer a produção nacional e fechar mercados externos. “A suinocultura catarinense faturou quase R$ 10 bilhões no ano passado, metade só em exportações. Se houver contaminação vinda do javali, nós quebramos o setor”, afirmou. O Brasil é livre de PSA desde 1988 e mantém reconhecimento internacional, emitido pela OMSA, como livre da doença.
Do lado técnico, Virgínia Santiago Silva, pesquisadora da Embrapa, destacou que o javali é uma espécie invasora de alto impacto econômico, ambiental e sanitário. No entanto, rejeitou a ideia de liberar a carne de caça para consumo, apontada por caçadores e parlamentares. “Não é possível assegurar inocuidade. Esses animais se alimentam de tudo e podem transmitir doenças. Vender salame de javali em feira é um risco real.”
A posição foi reforçada por Vânia Plaza Nunes, diretora técnica do Fórum Animal. “Caça não é forma de manejo populacional. Precisamos de programas baseados em ciência, com diagnóstico, metas e alternativas como anticoncepcionais. O abate sem critérios aumenta o risco de acidentes e não resolve o crescimento populacional.”
Na oportunidade, parlamentares e participantes destacaram a apresentação do Projeto de Lei 4.253/2025, que transfere aos estados e municípios a competência para manejar espécies invasoras, autoriza a caça e regulamenta a comercialização da carne e subprodutos, sob inspeção sanitária. A proposta, no entanto, ainda não consta na página da Câmara na internet.
O deputado Alceu Moreira (MDB-RS), autor do projeto de lei, criticou a postura do Ibama. “Os senhores se dão o direito de proibir por proibir, multar por multar. Queremos que estados e municípios, que conhecem sua realidade, tenham autonomia. Além disso, é preciso permitir o aproveitamento da carne, desde que com inspeção.”
Confira os principais pontos do PL 4.253/2025: