Em declarações recentes, o ex-presidente Donald Trump ressuscitou o conceito de “reciprocidade” nas relações comerciais, afirmando que “se eles nos cobram, nós cobramos deles”
Embora essa ideia pareça, à primeira vista, uma solução justa, ela reflete uma visão simplista do comércio internacional que ignora décadas de evolução nas regras multilaterais. A proposta de Trump de aplicar tarifas recíprocas exemplifica uma compreensão equivocada das dinâmicas comerciais e sugere uma solução que, na prática, é inviável.
Com efeito, o debate tarifário sobre etanol entre Estados Unidos e Brasil é um exemplo claro de porque “olho por olho” não funciona no comércio internacional. Embora a ideia de reciprocidade pareça intuitivamente equitativa, a realidade do comércio global é muito mais complexa, envolvendo variáveis econômicas, políticas e ambientais que não podem ser simplificadas a uma mera repetição de tarifas.
O comércio internacional é regido por acordos multilaterais que evoluíram ao longo de décadas, baseando-se em regras sofisticadas e complexas. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e seu sucessor, a Organização Mundial do Comércio (OMC), estabeleceram o princípio da Nação Mais Favorecida (MFN). Por este princípio, qualquer concessão tarifária feita a um país é estendida a todos os membros, promovendo previsibilidade e equidade no comércio global.
Essa abordagem multilateral foi construída ao longo de várias rodadas de negociações, resultando na redução gradual de tarifas e barreiras comerciais desde 1947. Seguramente, o sistema nunca foi perfeito. Alguns países “caroneiros” frequentemente se beneficiaram de concessões desiguais, enquanto nações em desenvolvimento receberam exceções para se adaptarem à competição global. A agricultura, em particular, sempre foi um ponto de atrito, com tarifas e cotas mais altas devido a fatores históricos e sociais.
Por isso, a insistência de Trump em uma reciprocidade bilateral desafia essa estrutura. Ao focar em negociações país a país, com base em tarifas específicas, ele ignora os benefícios da cooperação multilateral e os mecanismos que impulsionaram o crescimento do comércio global. Na prática, a implementação de estrita reciprocidade enfrenta desafios significativos que minam os princípios que sustentam a prosperidade global desde o pós-Segunda Guerra Mundial.
Há várias razões pelas quais a abordagem de Trump em relação à reciprocidade é não apenas equivocada, mas praticamente inviável:
O debate sobre o etanol entre EUA e Brasil ilustra perfeitamente porque a retórica da reciprocidade falha ao ignorar as complexidades do comércio internacional. Atualmente, o Brasil impõe uma tarifa de 18% sobre as importações de etanol dos EUA, enquanto os EUA cobram apenas 2,5% sobre o etanol brasileiro. À primeira vista, a situação parece uma injustiça que justificaria uma retaliação tarifária. No entanto, uma análise mais profunda revela fatores subjacentes complexos:
Embora medidas protecionistas possam oferecer ganhos políticos de curto prazo, as consequências econômicas da reciprocidade tarifária de Trump são problemáticas. A indústria de açúcar dos EUA, por exemplo, é altamente protecionista e exerce forte influência política. Um acordo racional envolvendo açúcar e etanol, como mencionado, enfrentaria um lobby poderoso nos EUA.
Além disso, a aplicação de tarifas recíprocas não resolve os problemas de competitividade e eficiência. Pelo contrário, pode aumentar os custos para consumidores e empresas, além de desencadear retaliações que prejudicam as cadeias globais de valor.
A reciprocidade no comércio internacional não é uma questão simples de “igualar tarifas”. Ela envolve negociações complexas que consideram fatores econômicos, ambientais e políticos. O caso do etanol entre EUA e Brasil demonstra que uma abordagem simplista ignora as dinâmicas sazonais, as vantagens ambientais competitivas e as realidades econômicas regionais.
Se Trump deseja de fato promover um comércio justo, precisará ir além de slogans populistas e abordar as nuances do comércio internacional. O verdadeiro equilíbrio comercial exige negociações multilaterais estratégicas, não meras retaliações tarifárias. Ou, em síntese: reciprocidade real demanda inteligência econômica e diplomática, não simplificações políticas.