Opinião

Insegurança jurídica setorial e seus reflexos na Economia e na atração de investimentos internacionais

Setores como infraestrutura, energia limpa, bioeconomia e exportações também sentem os reflexos de um ambiente regulatório volátil

Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado um aumento significativo de disputas judiciais setoriais que colocam em xeque políticas públicas e compromissos voluntários firmados por segmentos estratégicos da economia. A judicialização de instrumentos como os Créditos de Descarbonização (CBIOs) no setor de combustíveis, sobre partes importantes do código florestal ou a contestação da Moratória da Soja, entre outras, por segmentos do agronegócio, são exemplos recentes de processos unilaterais que ameaçam não apenas a segurança jurídica setorial, mas também impactam negativamente a imagem do país perante investidores e mercados internacionais.

O principal problema dessas ações não está apenas no debate legítimo sobre regras ou políticas, mas na forma como ocorrem: muitas vezes, sem diálogo prévio, contrariando acordos consolidados, contratos voluntários ou diretrizes regulatórias amplamente conhecidas. Esse comportamento unilateral cria um ambiente de instabilidade, em que regras podem ser revistas ou ignoradas por interesses momentâneos, fragilizando a previsibilidade necessária para decisões de médio e longo prazos.

No caso do RenovaBio, por exemplo, o programa foi construído como política de Estado para promover a transição energética no setor de transportes. A criação dos CBIOs, títulos lastreados em redução de emissões, representou um avanço importante na direção de uma economia de baixo carbono. No entanto, ações judiciais de distribuidoras de combustíveis que contestam suas obrigações de aquisição minam a credibilidade do sistema e geram dúvidas sobre a continuidade e estabilidade das políticas ambientais no país.

O mesmo ocorre com a Moratória da Soja, um compromisso voluntário de não comercialização de grãos produzidos em áreas desmatadas da Amazônia. Apesar de ser um acordo entre empresas privadas, a contestação judicial de sua legalidade por partes interessadas lança uma sombra sobre o papel da autorregulação setorial e enfraquece a governança ambiental corporativa — elemento cada vez mais valorizado por investidores institucionais e parceiros comerciais internacionais. Faremos o mesmo contra as regras da Better Cotton Initiative (algodão), RTRS (soja), Bonsucro (cana-de-açúcar), RSPO (óleo de palma), entre tantos outros acordos multisetoriais internacionais?

Essas instabilidades setoriais não afetam apenas os segmentos diretamente envolvidos. O impacto é sistêmico: setores como infraestrutura, energia limpa, bioeconomia e exportações também sentem os reflexos de um ambiente regulatório volátil. Fundos de investimento que seguem critérios ESG (ambiental, social e de governança) tornam-se mais cautelosos ao alocar recursos no país, enquanto barreiras comerciais, como o imposto de carbono na fronteira da União Europeia, ganham força diante da percepção de retrocessos ambientais.

Além disso, a imagem internacional do Brasil sofre com a contradição entre o discurso oficial e as práticas internas. Compromissos climáticos assumidos em foros multilaterais, como o Acordo de Paris, perdem credibilidade quando políticas públicas ou mecanismos de mercado associados à sustentabilidade são questionados internamente de forma recorrente e descoordenada.

Para reverter esse cenário, é fundamental fortalecer a previsibilidade regulatória, garantir a estabilidade de políticas públicas e promover maior integração entre os setores produtivos, o Judiciário e os órgãos reguladores. O país precisa sinalizar que é capaz de cumprir com seus compromissos e manter um ambiente jurídico seguro para o investimento sustentável de longo prazo.

Em um mundo cada vez mais orientado por critérios ambientais e de governança, a insegurança jurídica setorial representa não apenas um entrave ao desenvolvimento econômico, mas uma ameaça real à competitividade internacional do Brasil.