Inovação
Abelhas e soja: uma combinação que pode dar (muito) certo
Pesquisa da Embrapa comprova o que agricultores e apicultores aprenderam na prática: a produtividade de soja e mel aumentam quando as culturas andam juntas
5 minutos de leitura 25/06/2024 - 15:25
Fernanda Farias | fernanda.farias@estadao.com
Em Floresta, cidade vizinha a Maringá (PR), a família da produtora de soja Lígia Mara Jung convive com as abelhas desde 1960. Criar abelha era opção para ter açúcar em casa. Nessa época, eles colhiam o mel do café, mas os cafezais foram dizimados por volta de 1975, dando lugar à soja. A família continuou com os apiários e se surpreendendo. “De onde vem esse mel? Meu pai perguntava! Até que um dia viram abelhas visitando a lavoura de soja. Aí acabou o mistério”, conta Lígia.
Com a produção de mel cada vez maior, a família foi se profissionalizando e as caixas foram ocupando espaços de mata muito próximos das lavouras. E até hoje, a grande safra de mel da propriedade acontece na florada da soja.
Aos poucos, o sucesso nos apiários foi se repetindo nas plantações de soja. “Meu pai sempre dizia: nas áreas ao redor da mata, onde tem abelha, dá mais soja. Ele percebia isso na máquina”, diz a produtora. E, de fato, hoje ela contabiliza aumento de 10% de produtividade nesses pontos.
A exemplo da Lígia, sojicultores de diversas regiões do país têm optado pelo consórcio soja-abelha porque perceberam as vantagens. “A cada ano, multiplica o número de produtores interessados em promover essa integração; hoje os melhores agricultores estão entendendo o quanto é vantajoso”, conta Décio Gazzoni, pesquisador da Embrapa Soja e coordenador de um projeto que comprova os relatos.
Embrapa comprova resultados do consórcio abelha-soja
A convivência harmoniosa entre abelhas e soja está sendo estudada há dois anos, em uma parceria da Embrapa Soja com a Basf. Os estudos acontecem em 30 propriedades rurais nas regiões de São Gabriel (RS), Maringá (PR) e Dourados (MS). Os locais tiveram “dobradinhas”: para cada sojicultor, um apicultor.
As duplas adotaram boas práticas agrícolas, apícolas e de comunicação. “Isso significa que os dois têm de conversar o tempo todo de forma aberta, um tem que saber o que o outro está fazendo para não ser pego de surpresa e ter um impacto negativo”, explica Gazzoni.
A base é o Manejo Integrado de Pragas (MIP), que são técnicas para reduzir os insetos-praga sem afetar a presença dos inimigos naturais. E por isso, o produtor de soja precisa seguir uma série de orientações, como o horário de aplicação de produtos, evitar deriva, etc.
“As abelhas costumam visitar as plantações pela manhã, então o produtor deve evitar fazer as aplicações nesse período. Nós percebemos que quando os dois lados seguem as regras, todos ganham. O produtor produz mais soja, o apicultor, mais mel, e as abelhas não morrem”, analisa o pesquisador.
Como as abelhas ajudam a aumentar a produção de soja?
Décio Gazzoni explica que as abelhas agem como polinizadores. Quando visitam a flor de soja para retirar o néctar, transportam o pólen da parte masculina para a parte feminina da flor. Essa polinização resulta em maior fertilização, o que gera maior número de grãos.
“Vai ter mais vagens com três grãos, e mais com quatro grãos, o que não é normal. E notamos o aumento em 4%, 5% e até 6% no peso do grão”, conta Gazzoni.
Segundo ele, a média de aumento de produtividade foi de 13%, mas também se alcançou 18% em alguns locais. “Isso é uma renda líquida para o produtor, porque ele não mexe no sistema de produção, não gasta mais com adubo. O custo é o mesmo, mas ele colhe mais, até 5 ou 6 sacos por hectare”, avalia.
Apicultor produziu 50 kg de mel em dois meses
As abelhas se alimentam das flores das plantas e, quando não existe flor, o produtor precisa fornecer comida de outra forma. Quando começa o verão, a florada desaparece na maior parte das regiões, e é aí que o consórcio abelha-soja aparece como uma solução para esse problema.
O apicultor Aldo Machado dos Santos, de São Gabriel (RS), conta que deixa de gastar o equivalente a oito quilos de mel para garantir a alimentação das abelhas nesse período sem flores porque mantém os apiários próximos das lavouras de soja. E ainda tem aumento na produção.
“Tive apiários em que atingi 50 kg de mel por caixa em dois meses, somente na florada da soja. E quando levamos os enxames da soja para o eucalipto temos uma super produção, porque durante a soja, a população de abelhas cresce muito”, conta, animado. Esse volume é muito maior que a média brasileira, de 19 kg de mel, por caixa, em um ano.
O pesquisador da Embrapa diz, ainda, que a qualidade do mel da soja é superior, aromático e não cristaliza, mesmo em baixas temperaturas. “Isso é muito importante para a indústria, porque ela não precisa gastar em processos para evitar que cristalize. Então está com ótima aceitação. A indústria já está comprando agora o mel que vai ser colhido em janeiro e fevereiro”, afirma Gazzoni.
União de abelhas e soja pode ser exemplo para outras culturas
Para o agricultor, o custo para adotar o sistema é praticamente zero, garante o pesquisador Décio Gazzoni. Isso porque aqueles que seguem fazendo o MIP, reduzem os custos com menos aplicações. Já o apicultor vai gastar para transportar as caixas. “Não gasta nem 10% do que vai colher em mel”, calcula.
Os resultados da pesquisa, agora, serão transformados em uma cartilha de Boas Práticas. A ideia é ter mais parceiros, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), para que produtores possam ter acesso a treinamentos e cursos.
“Não são apenas os apicultores e sojicultores que se beneficiam. Ao aumentar a produtividade da soja, ocorre também uma redução equivalente das emissões de gases de efeito estufa, beneficiando todo ambiente”, ressalta Gazzoni.
O gerente de Stewardship e Sustentabilidade da Divisão de Soluções para Agricultura da BASF, Maurício do Carmo Fernandes, reforça a importância da pesquisa para a biodiversidade. “É essencial encontrarmos maneiras efetivas d conservarmos os polinizadores, como as abelhas, não só para garantir a produtividade da agricultura, mas também mantermos o equilíbrio dos nossos ecossistemas naturais. É uma interação em que todos saem ganhando”, afirma.
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