Agropolítica
De trator, a pé ou a cavalo: veja como foi o Tratoraço no RS
Em Porto Alegre, agricultores cobraram do governo federal a regulamentação da MP que irá garantir renegociar dívidas e custear a próxima safra
5 minutos de leitura 09/08/2024 - 05:00
Fernanda Farias | Porto Alegre | fernanda.farias@estadao.com
Agricultores pequenos, médios e grandes saíram de diferentes partes do Rio Grande do Sul para acompanhar o Tratoraço em Porto Alegre – evento organizado pelo Movimento SOS Agro RS que reuniu políticos e representantes de entidades do agronegócio para debater a Medida Provisória 1247.
A MP foi publicada na semana passada pelo governo federal para ajudar os produtores rurais gaúchos afetados pelas inundações, mas ainda precisa de regulamentação para começar a valer. Por isso, a principal reclamação dos produtores rurais é a demora na publicação do decreto, que trará, por exemplo, as regras para a renegociação das dívidas.
Enquanto isso, os agricultores dizem que estão sem dinheiro para começar a plantar a próxima safra. De Minas do Leão, o agricultor Vilmar Albino Dresch conta que ainda não sabe o que fazer para custear o plantio. “Estamos sem dinheiro para seguir. Talvez vou reduzir a área de plantio, se desfazer de algo, algum patrimônio, para poder comprar os produtos”, reflete, em conversa com o Agro Estadão.
Dresch planta soja e milho em 1.700 hectares no município distante 100 km da capital. Ele acompanhou os discursos de autoridades e representantes de entidades ligadas ao agronegócio que aconteceram durante mais de quatro horas na Casa do Gaúcho, estrutura dentro do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, região central de Porto Alegre. Com o prédio lotado, ele ficou do lado de fora, com outros tantos produtores rurais que viram o evento por um telão.
O Ingo Ruppenthall, de Ibirubá, viajou mais de cinco horas em um ônibus que transportou 55 agricultores até Porto Alegre para o Tratoraço. Ele conta que perdeu “pouco” com as chuvas excessivas que caíram na região. “Perdi 30% da lavoura, é pouco perto dos que perderam tudo. Nosso município está em situação de emergência, não de calamidade”, diz.
Ele não comprou os insumos para o plantio do milho, que começaria em 15 de agosto, nem para o da soja, em 15 de outubro. Diz que está “na expectativa sobre o que vai acontecer”. E um dos principais pontos que espera é a prorrogação da suspensão do pagamento das parcelas de dívidas. O prazo dado pelo governo federal termina em 15 de agosto e especula-se de que será estendido para 15 de dezembro.
Quem também não comprou os insumos nem preparou o solo para receber o próximo plantio de arroz é a produtora Marília Terra Lopes, de Barra do Ribeiro. Ela conta que o grão da soja colhida após as chuvas chegou a apresentar umidade acima de 40% e, por isso, a produção não teve rentabilidade. O excesso de água prejudicou também o pasto do gado. “O solo está muito encharcado e o pasto não veio. Então, tivemos que nos desfazer de muitos animais”, lembra.
Governador do RS diz que mobilização continua
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, participou do início do evento e enalteceu o movimento. Ele também afirmou que o governo federal tem dado muito pouco ao estado. “O nosso estado não vai aceitar ser tratado como algo menor e não vai deixar que olhem para essa situação difícil que estamos vivenciando, diminuindo ou deixando passar para ver se arrefece”, disse Leite em discurso marcado por críticas.
O presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira, reforçou o posicionamento de apoio às mobilizações como o Tratoraço, que chegou à terceira edição. “Eu não sei quantos mais serão necessários, mas enquanto não tivermos a solução dos problemas, nós vamos estar com os tratores nas ruas”, pontuou.
Segundo a organização do ato, mais de três mil agricultores participaram do movimento na capital. Cerca de 300 tratores ficaram estacionados em uma avenida próxima ao parque.
O presidente da Federação dos Trabalhadores da Agricultura (Fetag) disse que tem conversado com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira. “Ontem [quarta-feira, 7] o ministro Paulo Teixeira me ligou, conversei longamente com ele […] Ele disse que estão tratando disso e que nossos pontos serão observados”, afirmou Joel da Silva, que pediu para ter acesso às novas medidas antes da publicação, para ter certeza de que os pedidos serão atendidos.
Em relação às cooperativas, fontes dizem que o ministro da Agricultura confirmou a publicação da esperada Medida Provisória para os próximos dias. A promessa tinha sido feita ainda em julho para o setor.
Após o debate sobre a situação financeira dos agricultores gaúchos, o Movimento SOS Agro RS produziu uma carta para ser entregue ao Ministério da Agricultura (Mapa). O grupo com agricultores a pé, montados em cavalos e dirigindo tratores se deslocou até a sede da Superintendência do Mapa, a poucos metros do local do evento.
A carta tem o mesmo conteúdo do primeiro documento elaborado em Cachoeira do Sul, no primeiro Tratoraço realizado no início de julho. Entre os pedidos estão crédito para reconstrução, reinvestimento e de giro, prorrogação de dívidas em 15 anos com carência de três anos e juros de 3%, além de revisão no seguro agrícola, pois “as regras atuais não atendem a realidade dos produtores rurais”.
MP das dívidas será discutida no Congresso Nacional
A Medida Provisória 1247 será discutida no Congresso Nacional, onde os parlamentares poderão apresentar emendas, sugerindo itens que ficaram de fora da MP. Para muitos agricultores, isso representa mais burocracia e atraso na solução da questão das dívidas.
A MP diz que os agricultores que tiveram perdas em função das enchentes poderão ter descontos nas dívidas se apresentarem laudos que sejam aprovados pelas comissões municipais e federal. Os critérios variam para quem perdeu até 30%, quem perdeu 30% ou mais da produção e para quem teve perdas iguais ou superiores a 60%.
O texto não inclui as dívidas anteriores às enchentes de abril/maio, o que desagrada o setor produtivo gaúcho que vive o terceiro ano consecutivo de perdas – nos dois anos anteriores foi a seca que afetou a produção.
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